Preparação e chegada
Na Madeira é possível observar aves marinhas quase míticas e no topo da lista de desejos dos observadores mais arreigados. Os
nomes comuns, neste caso muito adequados, deixam os aficionados a
salivar. Freira-da-Madeira, Freira-do-bugio, Calca-mar. Hum...I'd buy
that for a dollar...
Já
há alguns anos que tinha ouvido falar na Madeira Wind Birds, uma empresa da
Madeira especializada em observação de aves marinhas. Um amigo meu teve a
honra de ser o primeiro português a fazer o conjunto de três pelágicas
denominadas "Zino's Petrel Pelagic Expedition", em 2015. São três tardes
compridas no mar, em busca das especialidades da zona.
Com
um grande conjunto de sucessos, uma organização profissional e uma
tripulação experiente, essa viagem foi ganhando fama junto dos
aficionados, sobretudo a nível internacional. Limitadas a nove
participantes, as saídas esgotam a largos meses de distância.
Essa
expedição ficou no meu radar, mas o facto de não me sentir em casa num
barco, aliado ao baixo número de lifers possível, foi deixando a
hipótese para trás, ano após ano.
Contudo,
às vezes os astros alinham-se. O Luís Rodrigues, participante na viagem
de ferry de 2018 (ver Alma-negra com Champanhe) começou a espicaçar o pessoal no início de
Novembro, para uma eventual ida em Maio. Ele e o Alexandre Rica Cardoso
inscreveram-se quase de imediato na expedição de 28 a 30 de Maio. Pelo
meu lado, hesitei por largos meses, devido a questões profissionais.
Contudo, parecia que o universo conjurava a meu favor. O único lugar
vago nessa data, manteve-se vago por largos meses. O Luís voltava à carga
de quando em vez, e eu continuava a hesitar. Os meses iam passando, sempre com uma vaga ainda disponível. No fundo, isso só podia significar que o
lugar me estava destinado.
Freira-da-Madeira (Pterodroma madeira) Foto de Luís Rodrigues |
Em menos de 24 horas já estava tudo acertado. Voos, hotel, pelágicas. Agora só faltava mesmo ir.
Os meses passaram lentamente, o que neste caso até foi benéfico. Deu para preparar o físico e o material.
Os
relatórios de viagem que fui lendo referiam repetidamente que as
pelágicas eram exigentes do ponto de vista físico, mesmo com os bancos
especiais amortecidos do “Oceanodroma”. O medo é uma razão tão boa como
outra qualquer e voltei a frequentar o ginásio ao fim de quase dois anos
de ausência. O equipamento também tinha uma ou outra falha, que se foi
resolvendo. Um item que valeu o seu peso em ouro foi o saco impermeável
que comprei de propósito. Todos os relatórios diziam que era a melhor
solução para proteger o material dos salpicos (leia-se molhas). E
realmente foi.
Alma-negra (Bulweria bulwerii) |
Aí veio-me à cabeça a frase mais usada pelo guia Brasileiro da viagem ao Nordeste em Outubro de 2018: “Vai dar tudo certo!”
A verdade é que, ao chegar à porta, é logo dado o aviso de que o voo estava adiado por tempo indeterminado.
-Começamos mal! - pensei.
Foi só um pequeno susto. Menos de uma hora depois, foi dada ordem de embarque.
O
voo foi calmo até à altura da aproximação à pista. Ainda muito lá em
cima, começamos a andar às voltas. Das duas uma, ou tínhamos perdido o
slot, ou o vento não permitia a aproximação. A partir da segunda volta,
comecei a seguir a trajectória do avião com a bússola do telemóvel.
Terceira volta, quarta volta. A meio da quinta, o avião aponta a Lisboa
por uns longos dois minutos.
Mas
não. A volta mais longa devia fazer parte da aproximação final. O
piloto apontou à pista e, com mais ou menos turbulência e solavanco,
conseguimos aterrar à primeira. Nem teve direito a palmas. Quando
desembarcámos, já lá estava o avião dos meus companheiros, que tinha
saído uma hora depois do meu, juntamente com mais uns seis ou sete. Ao
sair, nas chegadas, lá estavam os meus amigos à espera, já com a chave
do carro na mão. O passo um estava completo, com mala e tudo.
O
dia continuou com uma ida à Ponta de São Lourenço, à procura do
corre-caminho e do pardal-francês. Aqueles que “estão em todo o lado por
lá”. Nada feito. Nem pardal nem petinha.
As
desculpas foram as do costume: “Deve ser da altura do dia, que é má”,
“Deve ser do vento”. Realmente, eram três da tarde, mas eles não estão
em todo o lado?
Para não ficarmos muito frustrados, resolvemos ir ao caniçal comer umas lapas. Assim não se perdia tudo.
Voltámos
ao local do crime mais para o fim da tarde e, a muito custo, lá
conseguimos ver um ou dois corre-caminho e um pardal. Valeu o Alexandre,
que sugeriu um sítio ligeiramente diferente do que tínhamos ido antes.
O
dia acabou com uma ida ao Funchal, para ver os garajaus-rosados “que
estão sempre no porto” – não estavam – e para jantar um bife de atum na
pedra. Das melhores coisas que comi ultimamente.
#canaldoxofred
Corre-caminho (Anthus berthelotii) |
#canaldoxofred