Pesquisar neste blogue

27 junho 2019

Madeira 2019 - Parte I - As Freiras e o Calca-mar


Preparação e chegada

Na Madeira é possível observar aves marinhas  quase míticas e no topo da lista de desejos dos observadores mais arreigados. Os nomes comuns, neste caso muito adequados, deixam os aficionados a salivar. Freira-da-Madeira, Freira-do-bugio, Calca-mar. Hum...I'd buy that for a dollar... 

Calca-mar (Pelagodroma marina)
Já há alguns anos que tinha ouvido falar na Madeira Wind Birds,  uma empresa da Madeira especializada em observação de aves marinhas. Um amigo meu teve a honra de ser o primeiro português a fazer o conjunto de três pelágicas denominadas "Zino's Petrel Pelagic Expedition", em 2015. São três tardes compridas no mar, em busca das especialidades da zona. 
Com um grande conjunto de sucessos, uma organização profissional e uma tripulação experiente, essa viagem foi ganhando fama junto dos aficionados, sobretudo a nível internacional. Limitadas a nove participantes, as saídas esgotam a largos meses de distância.

Essa expedição ficou no meu radar, mas o facto de não me sentir em casa num barco, aliado ao baixo número de lifers possível, foi deixando a hipótese para trás, ano após ano. 
Contudo, às vezes os astros alinham-se. O Luís Rodrigues, participante na viagem de ferry de 2018 (ver Alma-negra com Champanhe) começou a espicaçar o pessoal no início de Novembro, para uma eventual ida em Maio. Ele e o Alexandre Rica Cardoso inscreveram-se quase de imediato na expedição de 28 a 30 de Maio. Pelo meu lado, hesitei por largos meses, devido a questões profissionais. Contudo, parecia que o universo conjurava a meu favor. O único lugar vago nessa data, manteve-se vago por largos meses. O Luís voltava à carga de quando em vez, e eu continuava a hesitar. Os meses iam passando, sempre com uma vaga ainda disponível. No fundo, isso só podia significar que  o lugar me estava destinado. 

Freira-da-Madeira (Pterodroma madeira)
Foto de Luís Rodrigues

Acabei por me decidir, tarde e a más horas, no final de Janeiro. O lugar lá continuava, vago, à minha espera. Realmente todos os malandros têm sorte.
Em menos de 24 horas já estava tudo acertado. Voos, hotel, pelágicas. Agora só faltava mesmo ir.

Os meses passaram lentamente, o que neste caso até foi benéfico. Deu para preparar o físico e o material.
Os relatórios de viagem que fui lendo referiam repetidamente que as pelágicas eram exigentes do ponto de vista físico, mesmo com os bancos especiais amortecidos do “Oceanodroma”. O medo é uma razão tão boa como outra qualquer e voltei a frequentar o ginásio ao fim de quase dois anos de ausência. O equipamento também tinha uma ou outra falha, que se foi resolvendo. Um item que valeu o seu peso em ouro foi o saco impermeável que comprei de propósito. Todos os relatórios diziam que era a melhor solução para proteger o material dos salpicos (leia-se molhas). E realmente foi.

Alma-negra (Bulweria bulwerii)
Chegamos assim ao belo dia 27 de Maio, dia do embarque. Os dias anteriores não foram feitos sem alguma angústia, uma vez que houve vários voos cancelados e aterragens abortadas. O  problema recorrente do vento no Aeroporto da Madeira, perdão, Aeroporto da Madeira – Cristiano Ronaldo, estava a fazer das suas. Face aos planos já elaborados dos meus companheiros de viagem para o dia de chegada e seguintes disse-lhes, com o optimismo habitual, que ainda estava no passo um – conseguir aterrar.  O Luís respondeu-me, convicto, que aterrávamos de certeza. 
Aí veio-me à cabeça a frase mais usada pelo guia Brasileiro da viagem ao Nordeste em Outubro de 2018: “Vai dar tudo certo!”

A verdade é que, ao chegar à porta, é logo dado o aviso de que o voo estava adiado por tempo indeterminado.
   -Começamos mal! - pensei.
Foi só um pequeno susto. Menos de uma hora depois, foi dada ordem de embarque.
O voo foi calmo até à altura da aproximação à pista. Ainda muito lá em cima, começamos a andar às voltas. Das duas uma, ou tínhamos perdido o slot, ou o vento não permitia a aproximação. A partir da segunda volta, comecei a seguir a trajectória do avião com a bússola do telemóvel. Terceira volta, quarta volta. A meio da quinta, o avião aponta a Lisboa por uns longos dois minutos.
   -Pronto. Acabou-se!

Cagarra (calonectris diomedea)
Mas não. A volta mais longa devia fazer parte da aproximação final. O piloto apontou à pista e, com mais ou menos turbulência e solavanco, conseguimos aterrar à primeira. Nem teve direito a palmas. Quando desembarcámos, já lá estava o avião dos meus companheiros, que tinha saído uma hora depois do meu, juntamente com mais uns seis ou sete. Ao sair, nas chegadas, lá estavam os meus amigos à espera, já com a chave do carro na mão. O passo um estava completo, com mala e tudo.

O dia continuou com uma ida à Ponta de São Lourenço, à procura do corre-caminho e do pardal-francês. Aqueles que “estão em todo o lado por lá”.  Nada feito. Nem pardal nem petinha.
As desculpas foram as do costume: “Deve ser da altura do dia, que é má”, “Deve ser do vento”. Realmente, eram três da tarde, mas eles não estão em todo o lado?
Para não ficarmos muito frustrados, resolvemos ir ao caniçal comer umas lapas. Assim não se perdia tudo.
Voltámos ao local do crime mais para o fim da tarde e, a muito custo, lá conseguimos ver um ou dois corre-caminho e um pardal. Valeu o Alexandre, que sugeriu um sítio ligeiramente diferente do que tínhamos ido antes. 

Corre-caminho (Anthus berthelotii)
O dia acabou com uma ida ao Funchal, para ver os garajaus-rosados “que estão sempre no porto” – não estavam – e para jantar um bife de atum na pedra. Das melhores coisas que comi ultimamente.

#canaldoxofred