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25 julho 2019

Madeira 2019 - Parte V - Moleiro-rabilongo

31/05/2019 - Moleiro-rabilongo


Sexta-feira. Depois do enxerto do dia anterior, ao contrário do que pensava, acordei vivo. Tudo um bocado dorido mas, ainda conseguia andar. Os joelhos ainda mexiam e sem grande dor.

Desci para o pequeno almoço com o livrinho do Andy Paterson. Lembro-me de o Alexandre dizer que realmente três pelágicas daquelas seguidas são o limite. Concordei de imediato. Uma quarta seria quase impossível de aguentar, pelo menos para a maioria dos humanos.

Moleiro-rabilongo (Stercorarius longicaudus)
Partilhei com os companheiros o que tinha conseguido apurar sobre o moleiro. Havia uma série de pistas que apontavam para rabilongo e eu já estava mais inclinado para esse. O Luís tinha também alguma literatura que parecia apontar nesse sentido. 

Os Suíços passaram no hall e, ao ver o meu livro aberto sobre a mesa, sorriram e dispararam, no gozo: 
   -Então? Já chegaram à conclusão de que é um rabilongo?

Lembrei-me de pedir ajuda a um contacto internacional, com muita experiência em moleiros e marítimas em geral e já com trabalho publicado em revistas de referência. Os amigos - neste caso do Facebook - são para as ocasiões. A resposta tardou pouco mais de uma hora, e foi taxativa.
Para ele era, sem dúvida, um rabilongo de segundo ano. Por várias razões, que me escuso de reproduzir aqui na totalidade. É curioso uma delas ser o facto de ter apenas dois shafts brancos nas duas primárias exteriores, característica que me tinha chamado a atenção no dia anterior. Ainda rematou a dizer que, pondo tudo nos pratos da balança, não via nada que pudesse indicar um parasítico. E esta, Hein?


Moleiro-rabilongo (Stercorarius longicaudus)
Entretanto, um dos nossos amigos do dia anterior - do backoffice - ligou ao Luís, a dar conta de que, após consultar mais literatura, tinha mudado de opinião e que, para ele, era também um rabilongo. E assim, de repente, o moleiro-coiso passou a moleiro-rabilongo. Os meus companheiros exultavam. Mais uma lifer, e das difíceis.

Com as três pelágicas cumpridas nos dias planeados, os dois dias que tínhamos de reserva estavam completamente livres. Saímos do hotel e fomos, praticamente, dar a volta à ilha em oitenta dias ou, neste caso, em pouco mais de oitenta minutos. Os lugares sucederam-se, uns atrás dos outros. São Vicente, onde finalmente vimos alguns garajaus-rosados.
 
Garajau-rosado (Sterna dougalii)


Porto Moniz, onde não vimos nada. Garganta Funda, onde se viu uma garganta funda e pouco mais mas, só pela vista, valeu a pena. Dispensam-se as piadas, neste caso. Ponta do Pargo, onde parámos para almoçar e, acabámos por ficar a tarde quase toda. Aí, além da vista, é também um bom sítio para os corre-caminho, que vimos mal saímos do carro. Foi uma tarde bem passada. No regresso a Machico parámos na Ponta-do-Sol, onde percebemos rapidamente que não valia a pena lá voltar no dia seguinte. 

Garganta-funda
Daí foi direto para o hotel. Os meus companheiros tinham uma excursão noturna com a Windbirds ao Pico do Areeiro, e não podiam chegar atrasados. Nessa não me meti, que sem joelhos é difícil, mas encomendei-lhes o sermão de me tentarem gravar o som, para ilustrar os vídeos e a crónica. Segundo sei, a saída correu bem. Além das freiras ainda viram corujas e uma galinhola, e ainda deu para fazer umas gravações.

Freira-da-Madeira - O som no Pico do Areeiro
Gravação do Alexandre Rica Cardoso

Antes dessa saída, ainda consegui falar com um dos companheiros do barco, o James, que me disse, descontraidamente, que nessa manhã tinha apanhado um barco na Ponta de S. Lourenço e que tinha visto um lobo-marinho durante mais de uma hora. “Como disse?!” 

Garajau-rosado (Sterna dougalii)
Foto Luís Rodrigues
A minha cabeça começou a trabalhar a toda a velocidade. Nessa noite não descansei enquanto não apurei todos os detalhes do onde, como e quando. Ainda antes da carrinha sair disparei para os meus colegas.

-Pessoal, amanhã temos de ir tentar ver um lobo-marinho à Ponta de S. Lourenço!

#canaldoxofred 

20 julho 2019

Madeira 2019 - Parte IV - O Moleiro-coiso

30/05/2019 - O Moleiro-coiso

Quinta-feira, dia da terceira e última pelágica.
Acordei outra vez em estado razoável. 
Pequeno-almoço tomado, seguimos para o Faial, à procura do pombo. Numa primeira paragem exploratória, ainda na estrada cá em cima, o Luís apontou quase de imediato um pombo que viu na escarpa. Finalmente, à terceira tentativa, foi de vez. “Pombo!!!” - gritou, como se tivesse descoberto ouro. Seria quase inaudito ir à Madeira tanto tempo e não ver o pombo lá do sítio.
Mais umas voltas e regressámos rapidamente a Machico. A terceira pelágica esperava por nós.

Moleiro-coiso (ver Parte V para ID)
Pontualmente, uma hora antes da hora coca-cola saímos do porto. 
Rumo SE, a cerca de 18mn. Ondas de norte de 1,7 metros e vento Norte de 17 nós. 
Objetivo:  Whatever.
A viagem de ida fez-se num instante. Deve ser por o tempo ser relativo ou, então, era por já estarmos habituados. No ponto de engodagem tínhamos as desertas ao lado. A Natureza é muito bonita…

Pombo!!!
Pombo-da-Madeira (Columba trocaz)
Logo nos primeiros minutos, a surpresa da expedição. Apesar dos relatórios mostrarem claramente que o final de maio não é uma boa altura para moleiros na Madeira, ali estava ele, um moleiro-coiso. Moleiro-grande não era e vi logo, pelo porte, que também não era um pomarino. Restavam duas hipóteses: parasítico ou rabilongo. Não sendo um adulto, era um exercício complicado. Fiquei na dúvida. Não vejo moleiros todos os dias, muito menos destes. Realmente, era de pequena dimensão, com apenas as duas primárias exteriores com shafts brancos. Sem consultar a literatura e apenas pela lei das probabilidades, inclinei-me mais para a opção moleiro-pequeno (parasítico). A realidade é que não sabia.


Moleiro-coiso (ver Parte V para ID)
Foto Luís Rodrigues
As poucas opiniões existentes estavam divididas. O Hugo estava inclinado para rabilongo, apesar de não ser uma plumagem vista habitualmente por ali. O James - team UK - fez uma meio pergunta, meio afirmação - “Hum... Arctic skua?” (parasítico). Por outro lado, os Suíços foram afirmativos “Long-tailed Skua!” (rabilongo). Com rede móvel disponível e dois informáticos na equipa Tuga, rapidamente tirámos uma foto a uma foto do “coiso” no ecrã da máquina do Luís e a enviámos para o backoffice do Continente - leia-se os nossos amigos da passarada - para análise. 
Rabilongo é, de longe, o mais difícil dos moleiros que se vêm regularmente por cá. Seria lifer para os meus companheiros. Para mim era praticamente igual, mas confesso que entre os dois também preferia esse, que só vira duas vezes, a última das quais há mais de cinco anos. O Luís e o Alexandre já estavam a salivar. Para desgosto destes, rapidamente recebemos por via aérea quatro respostas de peso a dizer que era um parasítico. 
Caso encerrado? Em princípio sim mas, como teimoso que sou, gosto de formar a minha própria opinião. À noite iria ver a pouca literatura que tinha disponível. Os Suíços também não compraram a ideia parasítica.


Casquilho (Oceanites oceanicus)
Foto Luís Rodrigues
O bicho é que não se importou com estas divagações. Deu um show e encheu os cartões e os binóculos. Às vezes estava tão perto que enchia o ecrã e saia do enquadramento. Espetacular! E também não teve muita pressa de se ir embora.

No resto do tempo que lá estivemos, as gaivotas monopolizaram o chum e afastaram quase toda a concorrência. Mesmo assim, além das cagarras e almas-negras, ainda foi aparecendo qualquer coisa. Um pintainho - leia-se um mosquito branco a dois quilómetros e também um casquilho, para gáudio dos Suíços. No dia anterior tinham-me dito que ainda não estavam satisfeitos porque lhes faltava o dito. A minha resposta “Vão em Setembro a Sagres, que vêem de certeza” não os desmobilizou. Cada um tem os seus dramas...

Alma-negra (Bulweria bulwerii)

O regresso é que foi pior. Preparei-me como no dia anterior. Veste o polar, fecha o impermeável, mete o boné para não ir água para a cara, mete os óculos escuros para não ir água para os olhos. Afinal, mesmo de noite, os óculos escuros são úteis.
“Get ready for a wet and very bumpy trip!”, disse a Catarina. 

Chegada às Desertas.
O regresso é que foi bem mais complicado...
E assim foi. Vento de frente, e ondas bem de lado. Entravam quase todas no barco e, em quase todas, o barco saltava por momentos e batia. Onda, salto, molha, bate, salto, onda, molha. “Ui, esta vai doer!”, pensei. Ainda usei o joelho esquerdo nos primeiros minutos mas, percebi rapidamente que era melhor resguardá-lo. Fiz a viagem quase toda só com o apoio do direito. Ao fim da primeira meia hora comecei a sentir que estava molhado. A roupa ajudou até onde pôde, mas não fez milagres. “Oxalá o saco impermeável faça o seu trabalho”, pensei. Lembro-me de olhar para o lado uma série de vezes e continuar sempre a ver as Desertas. “Ainda estamos aqui? Não andámos nada”. 
Em duas ou três ocasiões, a água conseguiu passar os óculos e fiquei com os olhos a arder, fechados, por uns minutos. Aí tinha de sentir que o barco ia saltar, para poder ter o corpo preparado. Só ao fim de mais de uma hora é que achei que os saltos estavam, finalmente, a diminuir de amplitude e de frequência. 
Seja como for, ao fim uma viagem infernal, lá conseguimos ver as luzes de Machico. Só entrar no porto fez logo com que começássemos a aquecer. Realmente, "There's no place like home". Não sei por que me veio à cabeça esta frase. Não tínhamos visto nenhum tijolo amarelo, e muito menos um homem de lata.

Gaivota-de-patas-amarelas (Larus michahelis)
Foto Luís Rodrigues

Que enxerto de porrada! Estava todo partido e arrastei-me até ao hotel. A roupa estava completamente encharcada. Vá lá, que o interior do saco impermeável estava completamente seco. Bendito investimento!

Depois de jantar, já no quarto, tentei não adormecer de imediato e ainda consegui dar uma vista de olhos no pequeno livro do Andy Paterson - “Pelagic Birds of the North Atlantic” - o único guia que levei. Realmente, a nossa ave tinha mais parecenças com os rabilongos imaturos do guia do que com os parasíticos. Havia também a primeira frase referida para a identificação: “Always looks grey-brown rather than warm brown”. Ora, a nossa ave era claramente cinzento-acastanhada. As minhas fotos mostravam o mesmo que as do Luís. Não era uma questão de regulação da máquina. 

Fui dormir a pensar no assunto que, claramente, não estava fechado...

#canaldoxofred

11 julho 2019

Madeira 2019 - Parte III - Calca-mar à Vista!

29/05/2019 - Calca-mar 

Quarta-feira, dia da segunda pelágica. 
Depois de uma razoável noite de sono, acordei na quarta-feira mais ou menos em bom estado. A tareia do dia anterior não me conseguiu deitar ao tapete. 

Depois de um bom pequeno almoço fomos, sem sucesso, à procura do pombo-da-madeira nas serras perto de Machico. De certeza que os pombos já deviam conhecer o nosso carro, e escondiam-se quando aparecíamos. 

Acabámos a manhã no Pico do Facho, a ver as toutinegras-tomilheiras lá do sítio.

Calca-mar (Pelagodroma marina)
Chegados ao hotel, como tinha dado bom resultado no dia anterior, resolvi voltar a falar com as senhoras dos quartos. Em equipa que ganha não se mexe. Disse-lhes que realmente tínhamos tido sorte e visto as freiras e que hoje íamos tentar ver o calca-mar. Mostrei-lhes uma foto do bicho. Disseram logo de imediato, com um dos sotaques mais bonitos de Portugal:

-Vai ver! Vai ver! Vai dar sorte!

Às 15h30 lá estávamos no porto. Desta vez fomos para sul, a cerca de 18mn. Ondas de NE de 1,5 metros e vento de norte de 14 nós. 
Objetivo: calca-mar.

Calca-mar (Pelagodroma marina)
foto Luís Rodrigues
No caminho as cagarras e almas-negras fizeram-nos companhia. Vimos também algumas tartarugas-comuns e golfinhos-comuns. Um bom começo, mas isto interessa é como acaba, e não como começa.

Chegados ao ponto de engodagem, os bichos começaram a aparecer quase de seguida. 

Painho-da-Madeira (Oceanodroma castro)
Os painhos-da-madeira foram dos primeiros. Algumas vezes mais de um de cada vez. Nesse dia vimos pelo menos meia-dúzia. Espetacular foi também uma gaivota-de-Sabine que apareceu junto ao chum e por lá ficou, até nos irmos embora. Mais vezes perto do que longe, aquilo foi fotografar como se não houvesse amanhã. No fim já nem ligávamos. “A Sabine ainda ali está”. “Ok. Deixa estar.” Para ajudar à festa ainda apareceram uma Freira-do-bugio, que passou como uma seta, e dois ou três patagarros.

Gaivota-de-Sabine (Xema sabini)
E lá estávamos nós,entretidos com os Castro e a Sabine quando, subitamente, a Catarina exclama:

-Calca-mar a subir o slick!

Não me lembro se foi em português ou inglês, nem me interessa. Foram uns segundos de angústia até o conseguir descortinar no meio das ondas. Lá vinha ele! Ora aparece, ora desaparece. Parece um mini-surfista com patins. Se há nome comum bem escolhido, é este. Lentamente, a apenas meia dúzia de centímetros das ondas, vai-se alimentando e dando espetáculo, para quem quiser, e quem puder, ver. Não pára muito no mesmo sítio, e nunca se aproximou a menos de uns 10 metros. Não deu para fotos a encher mas, não se pode ter tudo. De zero a cinco, para mim foi um cinco. 

Calca-mar (Pelagodroma marina)
O surfista-patinador
Só me custou foi, quando já estávamos de partida, com a trouxa arrumada, ele resolver dar um show perto do barco, com a luz dourada do pôr-do-sol a bater-lhe no ângulo certo. Agora? Fiquei a olhar para o saco no chão, já com a câmara lá dentro. Típico…

A viagem de regresso, com vento de frente e ondas de lado não foi o passeio do dia anterior. Mesmo com a perícia da Catarina no leme, o barco saltava de vez em quando e o mar entrou uma ou duas vezes. Nada de grave, mas deu para para perceber a utilidade dos bancos amortecidos do “Oceanodroma”. Assim, o impacto divide-se entre o banco, as costas, os braços e os joelhos (para quem ainda tem joelhos, claro). A roupa impermeável que usei na Islândia também ajudou a tornar o regresso menos desconfortável. De qualquer maneira, nas quase duas horas do regresso, não nos livrámos de uma pequena sova. Pela positiva, frio não tive. Ainda melhor, foi ninguém se ter sentido mal desta vez, apesar dos justificados receios.

Gaivota-de-Sabine (Xema sabini)
Foto Luís Rodrigues
Por volta das 11h estávamos no hotel, para mais um jantar e umas cervejas. Tudo mais que merecido. Ao segundo dia, com os três objetivos da viagem atingidos, já conseguia respirar fundo. Caso o físico sobrevivesse, a terceira pelágica, no dia seguinte, seria só para desfrutar, sem stress.

#canaldoxofred 

03 julho 2019

Madeira 2019 - Parte II - As Freiras e o Gregório

28/05/2019 - As Freiras e o Gregório

Terça-feira. primeiro dia a sério.

Achámos que nas manhãs a seguir às pelágicas iríamos estar cansados e resolvemos ir ao Ribeiro Frio, para ver o pombo-da-Madeira, e despachar essa encomenda. Lá chegados,  não se via um palmo à frente do nariz. Maldito nevoeiro. Estrelinhas e tentilhões vimos muitos agora, pombo, é que nada.

Voltámos para o hotel com o rabo entre as pernas. Às 15h30 tínhamos a pelágica e isso é que era importante.

Freira-da-Madeira (Pterodroma Madeira)
Foto Luís Rodrigues

Antes de almoço, acabei por me cruzar com as senhoras que arrumam os quartos e trocámos uns dedos de conversa. Referi que voltava tarde e que ia tentar ver umas aves, as freiras. Disseram que já tinham ouvido falar e quiseram saber onde se viam. 
   -No mar, longe da costa. - respondi - Mas é difícil!
   -Ah, o senhor vai ter sorte! Vai ver de certeza! 

Caminho para o miradouro dos Balcões, com o nevoeiro ao fundo
Chegámos ao porto de Machico mais que a tempo. Fomos conhecendo os companheiros do barco, que iam chegando a pouco e pouco. Era fácil identificá-los, com binóculos e impermeável. Três Ingleses, dois Suíços e um Australiano. Diversidade não nos faltava.

Mais minuto, menos minuto, o “Oceanodroma” lá fez a sua aparição, com a Catarina e o Hugo a bordo. Cumprimentos, briefing de segurança e ala, que se faz tarde. Não havia tempo a perder.

Freira-do-Bugio (Pterodroma deserta)
Nesse dia fomos para a parte norte da ilha, a cerca de 12 milhas náuticas (mn). Objetivo: freiras. 

Passámos a Ponta de S. Lourenço e deu logo para perceber que o mar não estava fácil. Ondas de NE de 2 metros e ventos de 13 nós. Quando parámos para engodar, o barco parecia uma rolha numa tina de água agitada.  Um de nós - não vou mencionar nomes - estava já meio KO e começou rapidamente a deitar engodo extra borda fora. 

As freiras é que não se fizeram rogadas. Apareceu quase de imediato a primeira freira-do-Bugio e uns minutos depois a primeira freira-da-Madeira. Identificadas no campo e mais tarde com ajuda fotográfica. Distinguir estes dois bichos nunca é fácil e a Catarina e o Hugo são uma ajuda preciosa.

Freira-da-Madeira (Pterodroma Madeira)
Foto Luís Rodrigues

Uma hora depois de pararmos para engodar, comecei a achar que já me tinha sentido melhor. Mais meia hora e foi impossível não chamar o Gregório. Em 22 pelágicas anteriores nunca me tinha acontecido mas, à 23ª foi de vez. Naquelas três horas de engodagem aconteceu três vezes. Nem o doping - vomidrine - me valeu. Há dias assim. Pelo menos depois de deitar a carga fora ficava bem durante quase uma hora. Nesses momentos mais difíceis, debruçado no barco, ainda lancei um “No pictures please!” ao pessoal. Se ainda tinha sentido de humor, era sinal de que não estava assim tão mal.

Freira-da-Madeira (Pterodroma Madeira)
No final da pelágica, era mais ou menos consensual que tínhamos visto três da freiras-da-Madeira e três do freiras-do-Bugio. Para compor o dia apareceram as omnipresentes cagarras e almas-negras e vimos também alma-de-mestre e fura-bucho-do-Atlântico, entre outras espécies. 
  Dois dos três objetivos da viagem atingidos na primeira pelágica. Nada mau, para começo de festa. 

Alma-de-mestre (Hydrobates pelagicus)
Foto Luís Rodrigues
O regresso, ao pôr-do-sol, foi longo mas não foi muito agitado. Sobretudo tive frio, agravado pelo vento e andamento do barco. Chegámos ao porto já depois das 22h30, o que se repetiria nas duas saídas seguintes. 
No hotel, o jantar que encomendámos, com uma ou duas cervejas a acompanhar, consolaram-nos. Ficámos quase como novos. 

Tentilhão (Fringila coelebs madeirensis)
Foto Luís Rodrigues

Quando dissemos aos colegas Suíços que tínhamos pedido o favor de nos darem jantar quase às 23h, a pergunta deles saiu de imediato: 
   -Mas isso é possível?
De certeza que, na Suíça, não se consegue jantar em lado nenhum depois das 19h.

#canaldoxofred