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21 dezembro 2021

Magia nas Astúrias

Astúrias, Novembro de 2021

A coruja-das-neves (bubo scandiacus) é uma espécie de santo graal para qualquer observador de aves europeu. Faltam adjetivos para descrever essa ave do Ártico, branca de olhos amarelos. A juntar à imponência, a dificuldade de a ver é enorme, mesmo indo à sua casa na zona ártica da Noruega, por exemplo. A coruja do Harry Potter é mágica e desaparece com muita facilidade.

Fui alimentando o sonho de um dia a conseguir observar e, inclusivamente, cheguei a combinar com um amigo uma eventual ida aos Açores, caso aparecesse uma por lá. E aparecer, até aparece uma de vez em quando, leia-se de dez em dez ou quinze em quinze anos. Ou seja, quase todos os dias.
Fosse como fosse, a verdade é que os anos foram passando e a oportunidade nunca se proporcionou.

Coruja-das-neves (bubo scandiacus)

A minha história das corujas-das-neves das Astúrias tinha começado há mais de uma semana, na segunda-feira dia 8 de Novembro. Eu é que ainda não o sabia. Desde essa altura, nada mais nada menos do que 3 indivíduos foram avistados na província. Dois machos e uma fêmea, todos jovens. Sabe-se lá como conseguiram chegar à Península mas, a verdade é que estavam cá. Um deles morreu logo ao segundo dia, apesar de ter sido levado para um centro de recuperação. Os outros foram aparecendo aqui e ali, mas sempre de forma relativamente fugaz.

Foi só no domingo, dia 14 de Novembro, que os observadores espanhóis tiveram um contacto prolongado com o macho sobrevivente, que se deixou observar de forma tranquila, horas a fio. O problema foi que, desde esse domingo, as notícias desapareceram por completo. 
Do meu lado, fui seguindo o acontecimento à distância mas também me fui esquecendo a pouco e pouco das corujas, e das Astúrias.

Como já tem acontecido noutras ocasiões, nisto da passarada as coisas raramente são simples. Tudo se descontrolou mais uma vez no dia 17, quarta-feira. Nesse dia reaparecem o macho e a fêmea, sendo que esta última estava num local bastante acessível - o Cabo Peñas - e permitia observações de alto calibre. Alto calibre, leia-se, de um a cinco, cinco. No dia 18, quinta-feira, manteve-se por lá, e as fotos e vídeos começaram a aparecer. 

Não me lembro do que sonhei nessa noite mas, a verdade é que na sexta, dia 19, acordei a pensar na coruja das Astúrias. Para ir a esta nem era preciso apanhar avião. São oito horas de caminho mas, o que é isso para quem persegue um sonho?  Comecei a andar às voltas, de um lado para o outro, com bicho carpinteiro. Já não conseguia pensar em mais nada. 

Coruja-das-neves (bubo scandiacus)

Como os amigos são para as ocasiões, resolvi contactar um amigo das Astúrias, que tinha estado no centro desta tempestade e que conhecia todos os detalhes. A resposta foi rápida e decidida. "Estão a vê-la agora mesmo!". Mandou-me de seguida a coordenada e o grupo de WhatsApp onde se trocavam informações sobre o tema do momento. Eu ainda estava indeciso. "Go for it!", disse-me ele. As desculpas para não ir estavam a acabar rapidamente. 
Liguei para a minha melhor metade e contei-lhe o que se estava a passar. Ah e tal, acordei a pensar na coruja. "Queres ir lá?", perguntou-me. "Não sei. Para já estava a pensar na vida". E lá continuei a hesitar a manhã toda. 
Por volta da hora de almoço, voltei a ligar-lhe. A primeira frase que ouvi foi um "Já meti a tarde!". Não havia hipótese. Tinha mesmo de ir às Astúrias.


Por volta das cinco e meia da tarde fizemo-nos ao caminho. O plano era simples, se é que há planos simples para estas coisas. Dormíamos a meio e, no dia seguinte, o mais cedo possível, avançávamos para o destino final e para o encontro com Destino. Para por a adrenalina a fluir, ao anoitecer surgiu a notícia de que a coruja tinha voado. "Ha salido, se ha ido sobre el mar paralelo al acantilado hacia el NE". Ora bolas! Ainda só íamos com uma hora de caminho. Era mais que óbvio que isto não ia ser fácil. 

A cabeça continuava às voltas. Voou mas, será que voa todos os dias? Será que volta? Será que estou a fazer um passeio à Nossa Sra. da Asneira? Ninguém sabia. "Mañana lo veremos.", diziam no grupo. Também não os vi muito alarmados com a notícia da coruja ter levantado ao anoitecer. Fiquei com uma réstia de réstia de esperança. 
Ainda pensei aguardar a meio por notícias e só avançar para o último troço se houvesse fumo branco. Ao jantar, discuti o tema com a Sandra e, rapidamente percebemos que não seria possível essa abordagem, devido à distância que ainda nos faltava. Três horas e meia implicavam que era impossível reagir rapidamente. "Já estamos aqui, temos de ir até ao fim!" disse ela, decidida. Percebi que também estava muito entusiasmada com a perspetiva de ver aquele bicho.

A coruja na escarpa.

A noite foi mal dormida. A incerteza e o risco do dia seguinte não me saíam da cabeça. Ainda era de noite quando saímos do hotel e fomos ao encontro do sonho.
Faltava ainda um pouco para o nascer do sol quando começou a agitação no grupo do WhatsApp. Já está alguém no Cabo Peñas? Já a viram? 
O suspense nem durou meia hora. Por volta das oito alguém diz que o bicho já está localizado. 
A esperança renasceu a toda a velocidade. Ainda estava por lá. Uhu! O carro encheu-se de júbilo. É acelerar a toda a velocidade e, dito isto, até aumentei mais dez quilómetros a velocidade programada no cruise control. Velocidade sim mas, dentro das regras, que as multas em Espanha são caras e eles cobram-nas mesmo.
Como isto de andar atrás dos bichos é uma montanha russa, tinham passado apenas dois minutos quando alguém diz que um peregrino a tinha espantado e que ela tinha voado. Ora bolas! Mais dois minutos e dizem que tinha pousado no empedrado do costume. Não há coração que aguente. Pouco passava das nove quando as coisas acalmaram. Mandaram a coordenada de onde se podia observar, juntamente com uns conselhos para disciplinar a malta, e pronto. 
Olhei para o GPS. Já "só" faltavam duas horas e pouco para chegar. 
Foram bastante longas estas duas horas. A natureza é muito bonita, sobretudo a partir do momento em que entramos nas Astúrias mas, eu queria mas é ver o bicho. Curiosamente, o que custou mais foram os últimos cinco quilómetros. Uma estrada cheia de curvas onde apanhámos um molenga à frente. Impossível ultrapassar. Raio do homem!

Ainda no carro, começámos a ver o mar e a zona do farol. Cerca de um quilómetro antes, começámos a ver movimentações de pessoal com binóculos e telescópio um pouco por todo o lado. Um pouco mais perto, começa a vislumbrar-se a longa fila de carros estacionados. Na minha cabeça, imaginei que pudessem lá estar umas cinquenta pessoas. Qual cinquenta, qual quê. Só carros eram mais de trezentos. Comecei a pensar na vida, e onde ia estacionar. Que todos os problemas fossem estes. Foi só uma questão de nos irmos afastando do ponto quente, e a umas centenas de metros lá conseguimos arranjar um lugar.

"As veces la cabeza asoma por allí."

Eram onze horas, mais coisa menos coisa. A adrenalina aumentava a cada segundo. Saímos do carro e levámos tudo o que pudemos, incluindo a água e a pouca comida de que dispúnhamos. 
Começámos a caminhar calmamente na direção que parecia ser a certa, ou seja, para onde toda a gente se encaminhava também. Nestas ocasiões o melhor é mesmo ser "Maria vai com as outras". Menos de cinco minutos depois entrámos no caminho de acesso ao ponto que tinha sido enviado através do grupo há umas horas. Finalmente via-se a escarpa em todo o seu esplendor. O ponto mais setentrional das Astúrias era ali. Era um cabo como outro qualquer cabo escarpado. Quer dizer, igual, igual, não era. Por ali, algures, estava uma coruja-das-neves. Seria este o dia?

Já com os nervos a darem sinal, contemplámos o panorama geral. A dimensão do arrolamento atingiu-nos em cheio na cara. O facto de ser o bicho que é, estar num local acessível, ter sido divulgado em tudo quanto era fórum da especialidade e, cereja no topo do bolo, ter aparecido na televisão nacional, deu nisto. Ficámos em choque. Estavam, à vontade, umas quinhentas pessoas na zona. Parecia o Colombo num sábado à tarde, antes da pandemia.

Até havia uma fita de plástico, daquelas da polícia, para limitar a aproximação à escarpa, colocada pelo guarda da natureza lá do sítio.

Reparámos que a multidão estava dividida em dois grandes grupos. O da esquerda e o da direita. Só mais tarde compreendemos que aquela divisão não era arbitrária. As castas deste pequeno mundo das aves nem sempre vivem em harmonia. Do lado esquerdo estava o pessoal das câmaras e, do direito, o pessoal dos telescópios. 

O molho da direita (observadores)

A divisão era clara e tínhamos de optar. Fomos para o molho da direita. Tivemos de procurar um buraco onde houvesse visibilidade para o local da escarpa onde, supostamente, a coruja estaria. 

Lá nos instalámos, na segunda ou terceira linha. Não era o ideal mas, pelo menos, tínhamos alguma visibilidade. Da coruja nem sinal. Comecei rapidamente a tentar perceber o que se passava. Ah e tal, viemos de Lisboa, a coruja está exatamente onde? 
  -Pues, hombre, vez aquella piedra? As veces asoma la cabeza por allí. 
Ato contínuo, o nosso interlocutor mostra-nos uma foto onde teoricamente se via uma bocado da cabeça do bicho por uma nesga entre duas pedras. 
  -Estás viendo? Aqui se puede ver un poco de la cabeza.
As pedras vi bem. A cabeça é que não. Optei por acreditar e apontei o telescópio para o local aproximado que ele me tinha mostrado no ecrã. O que havia mais por ali eram pedras e tivemos de confirmar. 
  -Puedes verificar si es este el sítio? 
  -Pues si, hombre! 
  -Muchas gracias! 
O espanholês a funcionar na perfeição. 

Agora só faltava aparecer a estrela do momento. Mais uma vez tivemos de nos instalar no conforto de um lajedo à espera do Destino. Espreita no telescópio, espreita nos binóculos, espreita no WhatsApp. Ninguém dizia nada lá no grupo.       -Saes hace cuando tiempo no se vê? 
   -Pues, hombre, hace mas de una hora, ya!
É assim a vida. Facilidades não costuma ser comigo. Fui aceitando a pouco e pouco que a coruja, como todos os bichos, haveria de fazer o que muito bem entendesse. Se quisesse aparecer, nós cá estaríamos. 
Pelo menos ela está cá, pensei. Já estive em situações piores e até mais longe de casa - ver Especial nos Mosteiros

Os minutos foram passando e a conversa foi pouca. Apesar de uma ou outra troca de impressões ocasional com os nuestros hermanos, também se percebeu rapidamente que a tensão era gigantesca. O bicho ia tardando em reaparecer. Uma da tarde, já comia qualquer coisa, a sandes e as poucas barras que tínhamos foram desaparecendo rapidamente. Lá para as duas já só tínhamos água. E o raio do bicho não aparecia. Não arredámos pé, não fosse o diabo tecê-las. O sacrifício impunha-se. A dada altura perdi a vergonha e cheguei a deitar-me, com a mochila a servir de almofada, para aproveitar o sol e dar descanso às costas. Não sei se acharam curioso ou uma boa ideia mas, a verdade é que passado uns minutos vi um vizinho a copiar-me. 

Visão do interior do grupo dos fotógrafos

Eram cerca de duas e um quarto quando se houve uma voz feminina lá atrás a dizer aos gritos que a coruja tinha voado para o lado oposto à nossa posição. Começou o sururu. Tudo a olhar uns para os outros com incredulidade. Seria possível? Quinhentas pessoas ali e ninguém tinha dado por isso? Mas ela insistia. O não sei quantos ligou-me agora dizer que ela voou. Ninguém se mexia e, como ninguém se mexia, mexeu-se ela e desapareceu rapidamente por entre a multidão aos gritos. 
  -Voou! Voou! - ia dizendo, tresloucada.
O caos podia ter-se instalado mas, a verdade é que ninguém mais se mexeu. Pelos vistos ninguém acreditou. Encolhemos os ombros e continuámos a trabalhar, que é como quem diz, a olhar para os dois ou três metros de pedras que o telescópio tinha na mira. Coruja é que nada. 

Foi por volta das duas e meia que se ouviu um clamor. 
  -Está ali! Está ali! Está à vista! 
Vi-a nos binóculos quase de seguida, com o coração aos saltos. Ouço a voz da Sandra, ao meu lado, com uma emoção que raramente lhe vi nestas ocasiões. 
  -Iiiiii! Tem uma cabeça enorme! Pensei que fosse do tamanho das pedras ao lado, mas é muito maior!
A cabeça era gigantesca e, para já, o que se via era apenas a cabeça. Tomaram muitos!
Dei por mim a pensar que a viagem não tinha sido em vão e que tinha à minha frente uma das aves da vida. A emoção ainda começou a dar sinal mas, rapidamente voltei a concentrar-me em desfrutar do momento. Havia de ter tempo de sobra para processar o evento.
Fomos filmando e tirando umas fotos, apesar da distância não ser a ideal. Ainda tentei dar a volta ao penhasco, e ir para o lado dos fotógrafos mas, uns vinte metros para a esquerda o bicho deixava de se ver. Pelos vistos o clamor que tinha ouvido era só do lado dos observadores. Os fotógrafos ainda não tinham tido sequer um vislumbre. 

O molho da esquerda (fotógrafos)

A cena mais hilariante foi ouvir um dos meus vizinhos contar, no gozo, a um amigo, a história da mulher enlouquecida que tinha gritado que a coruja tinha voado uns minutos antes. Disse cobras e lagartos da sujeita, e com razão. Quando olho para trás, vejo-a a olhar para ele a abanar a cabeça. Ainda bem que os olhares não matam.

Lá continuámos a encher a barriga com a visão inaudita, durante mais de uma hora. Telescópio, binóculos, bridge e dslr, tudo a trabalhar em pleno. 
De repente, ouve-se novo clamor, mas do lado dos fotógrafos. Era a coruja que tinha resolvido subir uns degraus e começava a mostrar-se em todo o seu esplendor.
Resolvi vestir a pele de fotógrafo e ir lá para a molhada. Já que estava ali...
Se do lado dos observadores era difícil arranjar um espaço com visibilidade, no lado dos fotógrafos era quase impossível. Coladas à fita de plástico estavam umas cinco filas, praticamente ombro a ombro, de pessoal com todo o tipo de câmaras. Se alguém se mexia dez centímetros, havia logo outro alguém a protestar. Face ao panorama, coloquei logo a máscara, não fosse o diabo tecê-las. Está bem que era ao ar livre mas o seguro morreu de velho. Acabei por ter a sorte de encontrar um fotógrafo que tinha um tripé baixo e que estava quase sempre debruçado. Ou seja, mais de noventa por cento do tempo, eu tinha a vista desimpedida. Coloquei-me atrás dele e comecei a disparar. Realmente, dali era uma visão do outro mundo. O céu azul com o sol de fim de dia. O mar lá em baixo, a rocha amarela e uma coruja branca enorme a olhar para nós, imperturbável.
Melhor era impossível. 
Tirei centenas de fotografias. Se é para ser fotógrafo, tem de ser a sério. Ela foi olhando, compondo as penas, incluindo as das patas que neste caso são forradas, tipo pantufas. A adaptação ao Ártico é evidente. Imagino que para ela, nas Astúrias, estava um calor de sufocante. Quando fiquei satisfeito, resolvi sair daquele aperto. Já sabia, pelo WhatsApp, que a Sandra tinha estado o tempo todo a filmar, e que entretanto se tinha colocado entre os dois grandes grupos. Fui ter com ela. 

As pantufas nas patas

A visão dali também não era má, e tinha a grande vantagem de não termos praticamente ninguém ao lado. Éramos apenas nós e mais um casal de asturianos.
Continuámos nas filmagens e na conversa. O sol ia descendo e a luz era cada vez mais fraca. O sonho de conseguir uma foto em voo, com boa luz esboroava-se a pouco e pouco. A última nesga do sol desapareceu no horizonte, e o bicho ainda estava, calmamente, no penhasco a olhar impassível para a multidão.

Foi quando já só se via a silhueta recortada contra um céu antracite que, de repente, ela resolveu ir à sua vida. Levantou e reparei, espantado, que vinha precisamente na nossa direção. Ainda tentei que a máquina registasse qualquer coisa mas, esta não é lá muito boa a focar no escuro. Baixei a máquina e limitei-me a apreciar o espetáculo. Passou a uns dois metros das nossas cabeças. Com o coração a bater forte, observei a envergadura impressionante e o voo silencioso. Vivi cada segundo do que se estava a passar em êxtase.
 
Das centenas de pessoas no local escolheu-nos a nós, os Tugas lá do sítio, para se despedir. Há coisas sem explicação e é melhor nem pensar muito nisso.

Epílogo:
Desde este sábado memorável e até ao dia de hoje, a coruja só foi vista por mais duas vezes, de forma fugaz, e já a mais de 100km de distância do Cabo Peñas. Apenas mais um punhado de observadores teve a sorte de a conseguir observar. Ou seja, foi uma sorte monumental o nosso avistamento, precisamente no último dia em que esteve no cabo mas, a sorte protege os audazes.

08 outubro 2021

Viva a República!

 05/10/2021 Sagres

Este ano resolvi não ir ao festival das aves em Sagres. Nos últimos dias das habituais férias de Setembro estive na Cabranosa e aquilo tinha estado fraquinho. Fiquei sem vontade de ir, logo no fim de semana seguinte, outra vez para o Algarve.  

O fim de semana anteriormente prolongado mas que deixou de o ser, até estava a correr bem. Sábado fiz uma pelágica à Berlenga onde, entre outras coisas, consegui ver um Alcatraz-pardo. Era a minha quarta vez mas, tomaram muitos! Domingo dediquei-me, sobretudo, à recuperação do físico depois da pelágica, ou seja, pouco ou nada fiz. A segunda foi um dia de trabalho normal e, por pouco, muito pouco, quase decorreu sem incidentes de maior. Por volta das cinco e meia da tarde, sai mais um dos muitos alertas que costumo receber no ebird mas, este era especial. O Pedro Henriques tinha visto uma felosa-assobiadeira (Phylloscopus sibilatrix) em Sagres.

Peito-carmim (Carpodacus erythrinus)

 Aqui faz sentido fazer um parêntesis sobre esta felosa. Primeiro que tudo, é bonita. Amarela na cara e branca por baixo. Tem um canto que faz lembrar uma moeda a rodar sobre a mesa. Já a tinha visto algumas vezes na Europa mas, em Portugal, nada. As poucas que apareceram nos últimos anos não me deixaram ir vê-las. Numa, estava na Polónia a ver muitas dessas, entre outras aves. Noutra, estava a trabalhar e ela não se aguentou até ao fim de semana. A vida é feita de encontros e desencontros, tal como diziam no programa.

Olhei várias vezes para a mensagem a pensar na vida. Obviamente que, estando a mais de três horas de distância não havia pressa para reagir. Não era possível chegar ao local antes do pôr do sol, pôr do sol, pôr do sol. Passado uns minutos comecei a achar estranho não ouvir no telemóvel os plins do costume, sempre que acontecem eventos deste género.  Imperava um silêncio pesado. No Facebook nada. No WhatsApp idem. Que raio?! Consegui perceber que havia um apagão algures. Pensei que era do meu equipamento até que as notícias dos problemas no ecossistema Facebook começaram a aparecer. Estava tudo explicado. WhatsApp, Instagram, Messenger e Facebook estavam em baixo. Lindo! 

Só passado meia hora é que recebi mais notícias. Teve de ser à antiga. O Hugo Blanco mandou-me um sms a dizer que o Carlos Pacheco tinha observado a ave. Ah, os sms e telefones afinal ainda servem para alguma coisa. Quem diria... Fui sabendo mais detalhes. Portanto, os dois observadores eram o Pedro Henriques, já referido, e o Carlos Pacheco. O local era uma zona de arbustos e mato, que conhecia razoavelmente. Achei que, caso o bicho ficasse nas redondezas, seria possível encontrá-lo. Estava mais que visto que tinha de ir. Ou seja, já me tinham estragado as perspetivas de ter um feriado de 5 de outubro descansado. Viva a República!

Afinal, sempre ia ao festival. Ainda pensei em seguir nessa noite para baixo, mas acabei por abandonar a ideia. Mais valia fazer o sacrifício e ir de madrugada. O Hugo ajudou-me a decidir. "Tenho uma pelágica amanhã e vou para baixo.", "Queres vir?", "Ok", "Então às  quatro da manhã passo aí." Quatro da manhã... É dura a vida de um profissional da passarada. A equipa ficou completa com o António Gonçalves e o Pedro Marques, que também não tinham a assobiadeira. Afinal não era só eu.

Peito-carmim (Carpodacus erythrinus)
Foto António Gonçalves

 O sono foi o possível, curto e mau. Às 3h55 da manhã recebi um sms sui generis. "Bom dia. Rádio Táxis de Carcavelos à sua porta". Como o raciocínio é lento a essa hora, ainda demorei uns segundos a perceber do que se tratava. "Vou descer". 

A viagem para baixo decorreu normalmente, até pela paragem tradicional na área de serviço tradicional. A tradição tem de ser mantida. No caminho, o Hugo resolveu contar a história do rádio-taxi de Carcavelos e esclarecer o sms intrigante que tinha enviado às quatro da manhã. Acontece que a sua esposa, aparentemente, não confia na condução do marido. Aquando da preparação para o parto do primeiro filho, quando ele lhe disse que a levava ao hospital, ela terá respondido que não senhor, ela ia mas é chamar o Sr. Espada e o respetivo táxi. Na altura não haveria muitos táxis na zona e o serviço era personalizado. Há que confiar nos profissionais e o Sr. Espada era o melhor. Qual Hugo, qual quê. Muito nos rimos com esta.

 E assim chegámos a Sagres ainda antes do nascer do sol. O Hugo ainda nos acompanhou nos primeiros minutos da busca, mas ainda antes das oito seguiu caminho. "Vou para a pelágica e ainda quero comer qualquer coisa".

Lá ficámos eu, o Pedro e o António a andar para trás e para a frente, nas redondezas do avistamento do dia anterior. A claridade foi aumentando e cada vez ficou mais claro que aquilo estava vazio de bichos, Migradores eram poucos ou nenhuns. É a vida... Aquilo estava perdido. Fomos seguindo a máxima do "já que estou aqui..." e continuámos, estoicamente, a varrer cada metro de terreno. Por volta das nove horas vejo, ao longe, mais um grupo de três observadores. Um deles era o Thijs Valkenburg. Vinham, com certeza, ao mesmo que nós. Reparei que estava também o Vasco Flores Cruz, com quem já me tinha cruzado e alguém com o colete da SPEA que, vim a saber mais tarde, era a Sandra Fernandes. 

Piiiu!
Peito-carmim (Carpodacus erythrinus)

O Thijs, quando se cruza comigo, é uma espécie de estrelinha da sorte, no que respeita a ver raridades.  Assim de repente, lembro-me de estarmos juntos no arrolamento ao Corredor do Alvor, no de uma piadeira-americana em Faro, onde acabámos por lhe pagar o almoço bem merecido, no Alfaneque da Cabranosa e, até o vi ao sair da Quinta de Marim, depois de ver a felosa-de-hume, isto já em 2020. Por isto tudo e pelo seu ar tranquilo, gosto sempre de o ver. Depois das saudações habituais, continuámos o trabalho, agora com reforços. "Eh pá, isto está muito vazio. Ontem estava com muito mais bichos!", disse ele. Era a confirmação de que hoje não seria o dia da sibilatrix.

Continuámos à procura, cada um para seu lado, até que recebo um telefonema do António a dizer que o Thijs tinha sugerido irmos até aos pinheiros junto ao restaurante ali perto. Realmente, aquilo estava vazio e achei que era um plano tão bom como outro qualquer. Rapidamente me juntei ao grupo e fomos andando calmamente, negociando o caminho pelo meio dos arbustos. Quando já estávamos quase lá ainda perguntei:
  -Quais pinheiros? 
  -Aqueles ali, não vês? - disse-me o António.

Já tinha estado nas redondezas algumas vezes e até já tinha almoçado no restaurante mas, não me lembrava de pinheiros nenhuns. Só quando olhei com mais atenção é que reparei que havia, nas traseiras, uns quantos pinheiros muito baixos, da altura de um homem. São tão baixos que nem o tronco é visível. Os ventos de Sagres assim determinaram, e eles cresceram como puderam. 

Chegámos e aquilo estava calmo e silencioso. Pouco passava das nove e meia. O Thijs disse logo que, pelos vistos, também não estava nada por ali. Quando não se vê nada, costumo, por vezes usar o artifício do som pssht, pssht, pssht. Às vezes resulta e o que está escondido dentro da vegetação vem ver o que se passa. Resolvi experimentar. Assim como assim, não se perdia nada.

Ficou tudo na mesma durante algumas dezenas de segundos, até que começámos a ouvir um chamamento contínuo. Inicialmente pensei que podia se uma felosa-musical mas, aquilo na realidade parecia uma felosa-musical misturada com pintarroxo. Pelos vistos toda a gente estava confusa, porque ninguém pôs a boca no trombone e disse do que se tratava. A tensão estava no máximo. Avançámos uns metros para a esquerda, para junto do segundo pinheiro e reparámos numa ave a chamar no cimo dos ramos. Coloquei-a nos binóculos e vi uma ave castanha com bico escuro. "O que é aquilo, pá?", perguntei. Ouvi a pergunta mais uma ou duas vezes, vinda de outras bocas. Passaram dois ou três segundos que, pareceram uma eternidade, até que ouço o Thijs, à minha direita, dizer "Carpodacus! É um carpocacus!" (peito-carmim, carpocacus erythrinus). O curioso é que conseguiu dizê-lo com toda a calma. "É mesmo!". Assim como se fez luz para mim, fez-se luz para todo o grupo. Não havia tempo para pensar ou para emoções. Baixei os binóculos e levantei a máquina. Comecei a disparar o mais rápido que consegui. O bicho estava meio tapado pelos ramos, e ainda logrei dar uns passos à esquerda e disparar mais umas vezes até que ele se lembrou de ir andando, e desapareceu. Reparámos que o Pedro Marques, que vinha mais atrás, não estava ainda connosco. Pensámos que ele não tinha conseguido ver o bicho, quando o vemos surgir do outro lado do pinheiro. Também tinha tido sorte. 

A chamada telefónica no fio
Peito-carmim (Carpodacus erythrinus)

 
Éramos seis observadores em êxtase quando finalmente pudemos descontrair.  Que sorte incrível!  Não me lembro bem do que fiz mas, do que me recordo, abracei e cumprimentei quem pude. 

Mas, o bicho ainda não tinha terminado a sua aventura connosco. Estávamos já na parte da frente do restaurante, eufóricos, quando voltámos a ouvir o chamamento do lado da estrada. Tinha ido para o fio telefónico e estava a falar. Piiiu! Piiiu!. Foram poucos segundos. Logo de seguida, levantou, passou por cima de nós, a despedir-se, e seguiu para norte. Ainda consegui tirar uma ou duas fotos no fio e em voo mas, tudo fraquíssimo. Foi o que se pôde arranjar.

Antes de nos separarmos, lembro-me de brincar uma bocado com o Thijs e deixar todo o grupo a rir. Sei que ele não levou a mal. Acho que percebeu que, no fundo, eram elogios.
-Pago-te uma imperial!
-Ah, eu não bebo.
-O Thijs para Holandês é porreiro! És Holandês, não és Thijs?
-Tenho nacionalidade holandesa, sim.
-Eh pá, nunca vi um Holandês falar Português perfeito, com sotaque algarvio.  

A risota continuou. 
Sei que entretanto, quer o Thijs, quer o António divulgaram o acontecimento em alguns grupos whatsapp, que entretanto já funcionava. Incluiram a respetiva foto back of camera. Isto claro, como sempre, só em nome da rápida divulgação. Com certeza, ninguém teve um ataque cardíaco a ver a notícia.

A despedida
Peito-carmim (Carpodacus erythrinus)

 Já que estávamos em maré de sorte, ainda demos mais umas voltas, não fosse a sibilatrix ainda andar por ali mas, não vimos mais nada de especial. Já tínhamos gasto a sorte toda para esse dia e a felosa-assobiadeira não apareceu. 

Por volta das 11h, chegou o rádio-taxi, com o nosso Sr. Espada ao volante, ou seja, o Hugo. Já sabia da notícia mas, aparentemente, não vinha desanimado. Fomos outra vez ao local da aparição, mas o peito-carmim castanho nunca mais voltou a ser visto. Até hoje ainda não conheci alguém com o dom da ubiquidade. Temos de decidir onde estar e quando e, só conseguimos estar num local de cada vez. Numas vezes corre melhor do que noutras. 

Depois de um almoço muito razoável, seguimos para Lisboa. A viagem de volta foi mais atribulada. O nosso Sr. Espada é um bocado maluco a conduzir. Segue um código da estrada muito próprio. A verdade é que chegámos sãos e salvos, com um ou dois sustos à mistura. 

Fomos a uma sibilatrix e voltámos com um carpodacus mas, não ouvi ninguém a queixar-se. Foi dos melhores feriados de 5 de Outubro da minha vida. A lição a retirar é clara:

Não há dúvida que a melhor maneira de encontrar uma coisa é ir à procura de outra coisa.

Resta-me agradecer ao António Gonçalves a foto que ajuda a ilustrar esta crónica.

#canaldoxofred

02 outubro 2021

Como fazer Fortuna nos Açores

Agosto de 2021 - Ilha Terceira

Já há uns cinco anos que tinha posto uma pelágica nos Açores na lista de desejos. Foi o Carlos Pereira que me falou no Banco da Fortuna pela primeira vez. É um local entre as ilhas Terceira e Graciosa, que se tornou quase mítico desde que, há uns anos, aí foram avistadas algumas aves de sonho como o painho-de-swinhoe, freira da trindade ou a freira-de-barrete.

Painho-de-monteiro (oceanodroma monteiroi)
Mas as aves referidas são o Euromilhões. Se descermos à terra e formos realistas, o grande objetivo numa ida ao Bando da Fortuna é, obviamente, o painho-de-monteiro. É uma ave endémica dos Açores e que só há meia dúzia de anos adquiriu estatuto de espécie. Em 1999 a população estava calculada em cerca de 300 casais, o que sublinha a preciosidade e dificuldade de se observar.

O problema principal, ainda antes de pensarmos em aves é, sobretudo, como ir ao Banco da Fortuna. O tema é sempre o mesmo nas pelágicas: não existem, e muito menos em tempos de Covid.
 
Painho-de-monteiro (oceanodroma monteiroi)
Foto Ruben Coelho
 Foi assim que me fui mentalizando que tão cedo não iria fazer Fortuna. 
Só já em 2020, numa das minhas três idas aos Açores, é que soube que o Ruben Coelho andava a tentar organizar uma saída. Claro que o Covid foi deixando tudo em águas de bacalhau.
Depois de muita conversa virtual nesse ano conheci, finalmente, o Ruben pessoalmente em Março de 2021 - ver Limpeza na terra dos Impérios. É sempre melhor assim, para se perceber com quem estamos a falar. Entusiasta das aves, terceirense de gema e, ainda por cima, com idade para ainda ter joelhos e costas a cem por cento. Qualidades não faltam.
Foi por isso que lhe disse para contar comigo, caso conseguisse organizar a pelágica ao Banco.

Cachalote (physeter macrocephalus)
Foto Carlos Ribeiro
 
A logística é sempre complicada. Há o barco, o engodo, arranjar gente suficiente, e sabe-se lá mais o quê. 
Aqui, ainda havia a agravante da distância. O Banco é a cerca de 20 milhas náuticas do oeste da Terceira e a 10 milhas náuticas da Graciosa. Há poucos operadores disponíveis para fazer o frete e, muito menos a partir da Terceira. Historicamente, as poucas idas ao local partiram sempre da Graciosa. Vinte milhas é muita fruta.

O tempo foi passando e já estávamos em Junho de 2021. Pessoalmente, já tinha abandonado a ideia mas, um belo dia recebo uma chamada do Ruben a dizer que a viagem estava confirmada para o final de Agosto. E esta, hein!?
Fosse lá como fosse ele tinha conseguido ultrapassar todos os obstáculos e concretizar a saída. Às vezes o impossível torna-se possível. O homem sonha, a obra nasce...

Pardela-de-barrete (puffinus gravis)
Agora era só uma questão de arranjar alojamento, carro e voos para o final de Agosto, mas há com certeza coisas piores. 
Até ao dia da partida, ainda dei uma pequena ajuda na organização do evento, ao arranjar maneira de termos um dos componentes essenciais do engodo. Fiquei contente por sentir que aquela viagem também era minha, mesmo que fosse só um bocadinho de bocadinho de nada.


Cachalote (physeter macrocephalus)
 Dia 27 de Agosto finalmente chegou. A viagem para a Terceira decorreu sem incidentes e, depois de um almoço tardio, ficámos muito bem instalados em Angra do Heroísmo, a cinco minutos da marina.
O dia não podia, obviamente, acabar sem uma visita a Meca, como já lhe chamaram. Fomos ao Paul do Cabo da Praia. Aquilo parecia o Colombo ao fim de semana, mas em versão light, ou seja, estavam lá umas oito pessoas. 
Além dos donos do local, Carlos Pereira e Ruben Coelho, estavam presentes quase todos os participantes na pelágica do dia seguinte. Terceira, S. Miguel e Pico estavam bem representados. Não me senti nada deslocado por ser o único continental. A Sandra fez de repórter e a reunião ficou bem documentada. Foi um fim de tarde tranquilo, com dois pilritos-de-colete a abrilhantar a ocasião.
O jantar foi excelente mas comedido, que isto de encher a barriga no jantar antes da pelágica dá mau resultado. De qualquer forma, as lapas não podiam faltar. Era o que mais faltava!

Casquilho (oceanites oceanicus)
E foi assim que chegámos ao dia D, 28 de Agosto. 
Ainda era de noite - 6h15 - quando nos encontrámos na marina. É dura a vida de um profissional da passarada. O grupo era pequeno. Poucos mas bons. Além do já referido pessoal da Terceira, S. Miguel e Pico, havia apenas um continental e um estrangeiro verdadeiro. Já contando com a tripulação, não chegávamos a dezena e meia de almas. Já se sabe que nestas organizações há sempre muita gente interessada mas, na hora da verdade, é complicado meter o preto no branco. No meio dos preparativos, registei a frase do Carlos:
-Hoje vamos fazer história. Pode ser só uma nota de rodapé mas, vamos fazer história. 
Oxalá conseguíssemos. Era a primeira vez que alguém iria ao Banco da Fortuna a partir da Terceira. Iríamos, no fundo, dar novos mundos ao mundo da observação de aves. 

Por volta das 6h30 saímos do porto. O tempo estava manhoso mas, quem vem aos Açores para ter um tempo certinho vem ao sítio errado. Quatro estações num dia, não é o que dizem?
O barco era muito confortável e espaçoso, para semi-rígido. Nas cerca de duas horas de caminho apanhámos chuva, sol, céu nublado e céu limpo. O que não estava à espera de apanhar foram algumas baleias-de-bico e um cachalote. Duas estreias para mim. Também se viu, ao longe, uma alma-negra. O dia prometia. 

Painho-de-cauda-forcada (Oceanodroma leucorhoa)
Chegámos ao primeiro ponto de engodagem ainda frescos. A chuva no caminho tinha sido pouca e quem se molhou já tinha a roupa seca. A pouca ondulação quase nem se notou.
Era a hora da verdade. O Ruben tinha aquilo bem preparado. Calçou as luvas e meteu mãos à obra. Começámos a engodar e, quase de seguida, começaram a aparecer os painhos. Logo num dos primeiros reparei que havia uma falhas nas asas. A muda era evidente. Dei logo conta disso ao pessoal. Era bom sinal. Era sinal de painho-de-monteiro, o objetivo principal da viagem. 
Rapidamente começámos a ver as fotos back of the camera dos muitos painhos que foram aparecendo e em vários era clara a cauda bifurcada, a cor acastanhada e a muda nas asas. Nem dez minutos tinham passado e o stress já tinha acabado. Painhos-de-monteiro há muitos, seu palerma!
Fosse da qualidade do engodo, fosse de haver muitos por lá, o frenesim dos painhos continuou quase ininterruptamente, nos diversos pontos por onde andámos.

Painho-de-monteiro (oceanodroma monteiroi)
Só passada a primeira emoção e adrenalina é que reparei que a alegria no barco não era generalizada. Não vou dizer nomes, mas houve alguém da passarada que esteve a viagem toda a engodar por conta própria. Como a crueldade humana não tem limites, o pessoal foi gozando com ele a perguntar se estava bem. A resposta foi sempre a mesma;
-Impecável!
E o resto da malta ria a bandeiras despregadas.  
Mais aborrecido ainda foi constatar que havia um elemento da tripulação que estava nas mesmas condições. Apareceu esverdeado, com ar desesperado quando ainda estávamos a começar:
-Falta muito?
Deitou-se várias vezes. Andou num desassossego para cá e para lá. Será que escolheu a profissão errada? Outro dia falaram-me de pessoal que vai para a marinha e enjoa. Até me disseram que, por causa disso, acabam por escolher os submarinos. Acho que, neste caso, não deve haver essa hipótese. 

Os painhos continuaram a dar espetáculo. Além dos muitos monteiros, vimos painho-da-madeira, dos Açores e muitos casquilhos. A surpresa só surgiu depois ao vermos as fotos em casa, quando reparámos que também tinham aparecido dois painhos-de-cauda-forcada. Esses são complicados de apanhar, uma vez que não gostam de vir ao engodo. Pessoalmente nunca tinha visto nenhum numa pelágica. 
No que toca a pardelas, vimos algumas de barrete e a omnipresente cagarra, ou cagarro, como lhe chamam nos Açores.

Resumindo, ninguém se podia queixar da vida. Quer dizer, ninguém exceto os dois elementos já referidos.

Angra do Heroísmo
Quando achámos que a barriga já estava cheia que chegasse, começámos a viagem de volta, com paragens nas múltiplas jangadas de cagarros que encontrámos. 
O regresso também teve o seu encanto, sobretudo a partir do momento que a Terceira começou a aparecer no horizonte. De noite todos os gatos são pardos. De dia a coisa tem outro encanto. A costa sul é lindíssima, vista do mar, culminando com a entrada na baía de Angra. Aí até eu tirei o telemóvel do seu refúgio, para registar o momento. É a minha baía preferida.  
Por volta das duas já estávamos no porto. Saímos do barco e tirámos as fotos da praxe. A alegria reinava, sobretudo para os dois que tinham virado o barco. Ou seria alívio? O gozo continuava mas, o nosso companheiro disse logo "Ia já amanhã outra vez!”.  É esse o espírito. 

O convívio da pelágica só acabou no café da marina. Tinha prometido pagar uma imperial a quem quisesse e o prometido é devido. Uma estreia do valor do painho-de-monteiro merece isso e muito mais.
 
A foto para a posteridade.
Agradeci ao Ruben múltiplas vezes durante a viagem e volto a agradecer aqui. É mais do que justo. Não há dúvidas que esta aventura só aconteceu graças ao empenho que ele colocou na causa. Oxalá possamos repeti-la muitas vezes. 





















01 agosto 2021

Laranja no Raso

18/07/2021 Cascais

As últimas visitas aos locais do costume tinham rendido pouco. Julho não é propriamente conhecido por ser um bom mês para observação de aves. Foi por isso que programei ir ver marítimas para o Cabo Raso no Sábado e Domingo (17 e 18). Na observação de marítimas, mesmo que não apareça nada, pelo menos vê-se o mar, e toda a gente sabe que a Natureza é muito bonita.

Garajau-real-africano (Thalasseus albididorsalis)

Sábado não se viu nada de especial. Teoricamente, domingo seria melhor. O vento crescia um pouco e virava ligeiramente para terra. A teoria vale o que vale. Como os bichos fazem sempre o que bem lhes apetece, domingo estava a ser ligeiramente pior que sábado. As horas iam passando e os poucos bichos também. Oito horas, nove horas, nove e meia. Já se começava a olhar para o relógio. Nesse dia estava acompanhado de outro frequentador assíduo da zona, o Hugo Blanco. A observação esteve assim assim, mas a conversa esteve boa. Quando há poucos bichos costuma ser assim. 

Por volta da nove menos um quarto, começámos a falar em arrumar o estaminé e ir embora. Eu, sentado na cadeira com os binóculos, a minha posição preferida. O Hugo estava ao telescópio.
-Damos mais uma volta antes de ir embora. -disse o Hugo.
-Vês tu ao longe e eu ao perto - da cadeira é que eu não ia sair. 

Dei mais uma volta prolongada com os binóculos. 
-Bolas, nem uma gaivota! - que é como quem diz, vamos mas é andando. 
Olhei para o Hugo a ver se ele se mexia, que isto para ir embora, ou vai toda a gente ou é melhor não ir ninguém, não vá o diabo tecê-las.

Lá voltei a levantar os binóculos. De repente, vejo pelo canto do do olho esquerdo um bicho solitário fazer a sua aparição no Anfiteatro do Raso, relativamente perto. Era uma gaivina. Reparei no bico claro e, mentalmente, tentei encaixá-la em tudo o que conhecia. Ainda me veio à cabeça uma chilreta mas, essa é pequena e esta era grande, do tamanho de uma gaivota. O raio atingiu-me uma fração de segundo depois e fez-se luz. Era um unicórnio! Uma gaivina de bico laranja. Qualquer que ela fosse era dinheiro em caixa. Nunca tinha visto nenhuma. 
Não consegui pensar em mais nada. O resto foi feito por instinto. Levantei-me da cadeira de um salto, como se tivesse vinte anos e, em menos de nada, cobri o metro e e meio que me separava do coldre onde estava a máquina. Peguei nela e comecei a disparar como um louco. Ao mesmo tempo, fui gritando para o Hugo:
-Olha ali! Olha ali! Olha! Olha! Olha! Chefe! Chefe! Chefe! Chefe! Chefe!
Só parei quando tive a certeza que ele também já estava a ver a ave. Tchac! Tchac! Tchac! Tchac! Tchac! Nunca tirei o dedo do gatilho e a máquina nunca se engasgou. Foi disparar como se não houvesse amanhã. Quando já só se via um pontinho branco ao longe, na direção do Cabo da Roca, levantei o dedo.
-Vê lá não gastes a bateria toda! - ainda ouvi ao fundo.

Garajau-real-africano (Thalasseus albididorsalis)

-Mostra lá as fotos! - disse o Hugo.
Só nesse momento é que reparei que estava todo a tremer, da adrenalina. 
-Calma aí! Deixa-me encostar aqui um bocado. 
Encostei-me à parede do farol uns segundos, para recuperar. O instinto voltou a dar, lentamente, lugar à razão. Respirei fundo umas quantas vezes e lá arranjei forças para levantar a máquina.

Bom, vamos lá ver as fotos, pensei. Deu para perceber que, por sorte, a máquina estava mais ou menos bem regulada, e que os brancos não estavam "rebentados". Ali no Raso é muito fácil isso acontecer, porque o sol da manhã bate diretamente nos bichos, com a agravante de também ser refletido pela água. Em relação à ave é que era mais complicado. À partida, o mais provável seria o garajau-bengalense mas, olhando para as fotos e pensando no que tínhamos visto, não estávamos convencidos. Um bicho muito grande, com voo possante. Cheirava a algo mais. A única conclusão possível era que tínhamos de ir para casa estudar e usar a rede de contactos.
Reparei que o Hugo já tinha enviado uma foto "back of the camera" para um dos grupos de whatsapp da tribo. Tudo, apenas em nome da rápida divulgação, claro. 
Os telemóveis já fervilhavam com a conversa. Toca a andar para casa a todo o gás.

No caminho, continuavam os "tlins" do whatsapp. Nos quarenta minutos de caminho, tive de me concentrar na condução e resistir à tentação de ler o que se passava. Maldita máquina diabólica. Às vezes dá-me vontade de partir o telemóvel. O Conan, é que tinha razão. Sim, o Osíris e não o Rapaz do Futuro.

Finalmente, quando me consegui sentar em frente ao computador vi que, só contando as focadas, tinha mais de duzentas fotos. Já dizia o outro, focadas qualquer um tira mas, menos mal, não seria por falta de fotos que o bicho não ia ser identificado. 
E o raio do telemóvel continuava a tilintar. E manda fotos assim e manda fotos assado e mais isto e aquilo. "Tenham calma que tenho mais de duzentas fotos para ver." 
Pressa para quê? O importante estava feito.  

Garajau-real-africano (Thalasseus albididorsalis)
 
A verdade é que, processadas as fotos e lida alguma literatura, as conclusões teimavam em não aparecer. Gaivinas de bico laranja há muitas, seu palerma. Peguei numa dezena e meia de fotos e partilhei o álbum. Quanto mais cabeças a pensar, melhor. 
Ao fim de umas horas, já com muito estudo e várias opiniões recolhidas tínhamos, ainda, quatro espécies candidatas, ou seja, todas. O já referido garajau-bengalense, o garajau-real-americano, o garajau-real-africano e o garajau-elegante. Não era um grande cenário mas, é a vida.
No quartel-general virtual, a minha opinião e a do Hugo, tendo também em conta o que tínhamos visto no terreno era de que se tratava, muito provavelmente, do garajau-real-africano mas, como descartar, sobretudo, o irmão americano?

As horas transformaram-se em dias. Fomos fazendo o caminho das pedras, saltando de contato em contato. Só na quarta-feira, dia 21, é que tivemos a resposta detalhada de que precisávamos. Sempre era o garajau-real-africano e o texto explicava o porquê, com todos os pormenores. 
Nada melhor que falar com quem tem trabalho publicado precisamente sobre o assunto que estamos a pesquisar. A internet abre possibilidades que há uns anos eram ficção científica. E não foi assim há tanto tempo que só havia telefones de discar e, há que lembrar que nem todas as casas tinham um.

E foi assim que ao terceiro dia pude descansar. Os meus piores receios tinham sido afastados. Esta gaivina não ia ficar no "Túmulo das gaivinas sp.",  também conhecido pelo "Túmulo das Gaivinas Desconhecidas".

 








25 junho 2021

A Cornuda do Patinha

13/06/2021 Vagos

O Domingo começou cedo. Às seis já estava de pé e às sete estava na Ponta da Erva. Ia ser uma manhã calma, com a minha outra metade. A ideia era sair de lá às onze e estar em casa, no sofá, às onze e meia. Ia ser um domingo mais ou menos descansado, portanto.
Não podia estar mais enganado. 
Pouco antes das dez horas, estávamos a dar meia volta ao carro em 38 Moios, já depois do café, quando toca o telefone. Pedro Ramalho? Isto não pode ser nada de bom, pensei. 
   -Então? Já estás a caminho?
   -Caminho? Mas o que é que apareceu?
   -Não sabes? Então tchau!
É o que dá não olhar para o telemóvel durante uns minutos. Já não se pode estar descansado.
   -Peraí! Diz lá o que é que se passa!
   -O Patinha descobriu uma calhandra-cornuda em Aveiro. 
Pronto. Estava o caldo entornado. Os planos iniciais foram todos metidos rapidamente no lixo. 

Calhandra-cornuda (eremophila alpestris)

Era a primeira Calhandra-cornuda (eremophila alpestris) que aparecia em Portugal e, pelos vistos, era possível ir vê-la. No meio dos nervos ainda consegui ter uma conversa mais ou menos racional. Sim, ia para lá. Sim, podíamos ir juntos. A Sandra decidiu que desta vez também ia, uma vez que já estava ali. Combinámos um ponto de encontro em Santarém. 
No caminho ainda liguei ao Vasco Valadares, que tinha ido passar o fim de semana por lá.  Foi apanhado um bocado desprevenido, mas resolveu alinhar.

O esquema parecia complicado, mas o certo é que, ainda antes das onze estávamos a sair da Capital do Gótico.
Pouco mais de hora e meia de conversa e condução depois, estávamos a estacionar na Praia do Areão, em Vagos. A viagem não teve grande história. Das conversas que fomos tendo, retive a parte do Pedro ter falado várias vezes que queria mesmo ver este bicho, que tinha falhado na Holanda. Também retive a parte em que vi a minha vida a andar para trás, quando disseram que se tinha que andar meia hora na praia até chegar ao ponto. 
-Meia-hora na areia?! - para quem não tem joelhos é complicado de conceber.
O Vasco ainda tentou por água na fervura - "Não é nada meia hora!" - mas o medo já estava instalado. Era desta que os joelhos acabavam.

Calhandra-cornuda (eremophila alpestris)
Foto Vasco Valadares
 
Estacionámos no acesso mais próximo possível que, mesmo assim, era tipo em Marte, ou mesmo Namek. Isto, claro, relação ao ponto onde estava o bicho. Estava, é como quem diz, tinha sido visto pela última vez.
Era meio dia e meia, uma linda hora para ver aves. Já havia alguns banhistas a abandonar o barco ou, neste caso, a praia. Para nela entrar havia dois passadiços. Um para a esquerda e um para a direita. A nossa quadrilha estava um bocado espalhada. A Sandra estava uns dez metros atrás e o Pedro e o Vasco para aí a uns cinquenta. Um dó li tá, escolhi o caminho da esquerda. Ainda ouvi a Sandra gritar para trás:
   -Esquerda ou direita?
Esperava uma resposta do Pedro ou do Vasco aos gritos mas, espantosamente, o que se ouviu foi a voz de uma banhista que estava encostada ao corrimão, logo ao lado. 
   -É para a esquerda! Os outros foram todos para lá.
E esta, hein?! Afinal toda a praia já sabia que se passava um evento extraordinário qualquer.  "Os outros" quereria dizer exatamente o quê? Os outros que estavam vestidos como vocês? Os outros com câmaras e telescópios? Os outros marcianos? Enfim, o que interessa é que ajudou. Lá segui a toda a velocidade pelo passadiço, ainda a tempo de ouvir a Sandra agradecer.

Calhandra-cornuda (eremophila alpestris)

Nem cem metros se andava, até atingir a praia. Cheguei ao outro lado e espreitei imediatamente pelos binóculos. Além das muitas banhistas em biquini vi, bem lá ao fundo do lado esquerdo, o que me pareceu à primeira vista ser uma fila de postes na areia. Olhei uma segunda vez, com mais calma e comecei a entrar em pânico. Afinal os postes eram pessoas, com os respectivos telescópios. E estavam a mais de um quilómetro, isso era mais que certo. Ora bolas! A história de andar meia hora na praia era mesmo verdade.
 
Os veraneantes olhavam para nós como se fôssemos alienígenas, o que no fundo, até era verdade. Como o que não tem remédio, remediado está, não pensei mais na vida e comecei a andar. Assim que passei o grosso dos banhistas, fui para a zona da areia molhada e acelerei o passo. Assim sempre era mais fácil. Os joelhos, e o corpo em geral não deram sinal e fui andando. Só ao fim dos primeiros dez minutos é que comecei a procurar o grupo que tinha visto ao longe, quando entrei na praia. Já deviam estar à vista, pensei. O certo é que nem ia a meio. Só ao fim de mais um quarto de hora é que comecei a vislumbrar o grupo. 

O vídeo possível

Rapidamente percebi que o bicho não estaria à vista. Quando vês um a olhar para aqui outro para ali e o grupo espalhado entre a duna e o areal, nunca é um bom indicador. Os receios confirmaram-se quando, quase ao chegar, vejo um dueto a bater em retirada. Ao passar dizem, com o que na altura achei ser um prazer disfarçado, "Ah e tal, já não se vê há dez minutos". 
Conversas destas já eu conheço de ginjeira. Não fiquei contente, mas também não era isso que me ia desmoralizar logo nos primeiros cinco minutos. Já que estava ali, agora era aguentar. Preparei-me psicologicamente para um dia de inferno. Calor, longe de tudo, o dia inteiro à procura do bicho, com a sede e a fome a apertar.
Cheguei ao local e cumprimentei a malta. Quase todos eram conhecidos, e quase ninguém tinha ainda visto o bicho. A exceção era o duo de descobridores, Samuel e Pedro, e pouco mais.

Calhandra-cornuda (eremophila alpestris)
 
Instalei o telescópio e preparei a máquina. Começou a espera. Nos primeiros minutos ainda estava a tremer e suar do esforço. No caminho nem notei mas, agora, com a seca que se perspetivava, estava tudo a vir ao de cima. 
Um ou outro borrelho ainda deu para assustar mas, da calhandra-cornuda nem sinal. O pessoal olhava para todo o lado mas, não estava fácil. Reparei que o mais ativo do grupo era o descobridor, o Samuel Patinha. Já tinha o olho treinado, quer para o bicho, quer para o local. 
Entre uma ou outra espreitadela no telescópio, comecei a pensar na vida. Quando o sol espreitava por trás das nuvens, o calor apertava. Será que a garrafinha de água ia chegar? E quando a fome apertar, como vai ser? E se o bicho aparece quando estivermos a comer? Esta praia é quase daqui até à lua. Se o bicho se mexe cem metros estamos lixados, etc., etc.
Enfim, coisas de quem já deu umas voltas nesta vida complicada de arrolador de aves.

Parecia que já tinha passado mais de uma hora mas, nem um quarto ainda ainda tínhamos em cima quando se ouviu a voz da esperança. Ou, no caso, a voz do Patinha, que era quase a mesma coisa. É mesmo assim. Os milagres acontecem a horas incertas.
   -Está ali, na base da duna!
Para variar, não vi logo onde ela andava. Ainda por cima ela aparecia e desaparecia para dentro da duna. Ainda demorou um ou dois minutos mas, a um após outro, toda a gente que ali estava foi vendo a estrela, neste caso personificada numa calhandra de cara amarela e máscara preta, com uns corninhos cómicos de lado.
A pouco e pouco, ela tornou-se mais afoita e mostrou-se cada vez melhor. A melhor parte foi quando resolveu dar um passeio à beira-mar. Com as conchas na areia à frente e o mar azul por trás, a visão encheu-me as medidas. 
Deixei-me estar sentado, a tirar as fotos possíveis, enquanto a Sandra foi filmando. Nem uma coisa nem outra ficaram espetaculares, o que era de esperar, sendo duas da tarde, num dia cada vez mais quente. 
Há sempre um crítico mas, neste caso ninguém teve a lata de assumir esse personagem. De zero a cinco, a observação foi um cinco. Fotos, é outra conversa.

Marcha triunfal na Praia do Areão

O regresso aos carros foi mais lento. Uma espécie de marcha triunfal. Não havia orquestra à vista, mas eu fui sempre a ouvi-la.
A verdade é que às duas e meia estávamos junto aos carros, de barriga cheia. Só faltava ir almoçar. 
Nem nas previsões mais otimistas tinha imaginado este cenário. Nem ao Purgatório tínhamos necessitado de ir, quanto mais ao Inferno. A Cornuda, além de gira foi simpática e relativamente pontual.

Apercebemo-nos que nos podíamos dar ao luxo, quase inaudito nestas ocasiões, de ir almoçar como deve de ser. Rapidamente o Pedro Ribeiro, um dos donos da zona - o outro era, obviamente, o Samuel - sugeriu um restaurante perto, em Mira. A hora era tardia. Íamos chegar por volta das três, mas quando liguei isso pareceu não ter importância, nem quando lhes disse que éramos um pequeno grupo de sete. Às vezes, o que parece complicado acaba por ser extremamente simples. Obviamente que ficou decidido logo ali que o protagonista do dia - Samuel Patinha - não pagava. 
O almoço foi excelente, mas o mais cómico foi o Samuel querer pagar a parte dele, mesmo depois de lhe dizerem mais de vinte vezes para guardar o dinheiro. Insistir uma ou duas vezes até se considera normal mas, vinte nunca tinha visto. Finalmente, lá aceitou, a contragosto.
 
O repasto de luxo
(foto Vasco Valadares)

 

 
Não há muitos dias assim, mas há que aproveitar quando aparecem. Entre transbordos e paragens, às sete já estava em casa, a descansar no sofá. Ou seja, a minha previsão concretizou-se. Teve foi um pequeno atraso de sete horas.

Epílogo:  
A calhandra só foi vista nesse dia e às sete da manhã do dia seguinte. Depois desapareceu sem deixar rasto. Às vezes, ter calma não nos ajuda nada.