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21 setembro 2018

Flagra no Pantanal - Parte III - Como salvar uma Harpia

Brasil 2011 - Parte III - Harpia

Depois de Porto Jofre, seguimos de uma só tirada para a Pousada Piuval, que fica a uns trinta quilómetros da entrada da Transpantaneira. É mais ou menos o limite a que chega o "turismo de massas" na zona. A consequência é que é um hotel muito maior. 
Mesmo assim, quem se levanta antes do nascer do sol não se cruza nunca com muita gente. Nas nossas saídas nunca vimos ninguém. Provavelmente estariam na piscina, ou a ver outras partes da natureza, ou a andar a cavalo. Enfim aquele tipo de turismo que já fiz, mas que deixei de fazer quando me tornei sofredor profissional.


Harpia (Harpia harpyja)
No dia da chegada, num dos percursos que fizemos conseguimos o terceiro e o quarto dos "big five". Primeiro a Anta - Tapir (Tapirus terrestris). Apareceu do meu lado no carro. Só me lembro da travagem, com os pneus a raspar na terra assim que gritei "Está ali um tapir!". Na volta para o hotel, vimos um Cervo-do-Pantanal (Blastocerus dichotomus). Já só faltava o Papa-formigas.


 Tapir ou Anta (Tapirus terrestris).
Felizmente, esse sofrimento acabou rápido. No dia seguinte, na saída de antes do pequeno-almoço, nos arredores da pousada, ainda com muito pouca luz, tive a sorte de avistar um a alguma distância. A silhueta é inconfundível e soube logo o que estava a ver. Avisei o Ricardo e a Sandra. Estava histérico, mas não me lembro se gritei. A vontade de correr era muita, mas fomo-nos aproximando com cuidado, em silêncio e sempre tendo em conta o lado de que soprava o vento, para não sermos detetados.
Conseguimos ficar quase ao lado do animal. Que bicho! Parece extra-terrestre. Ainda estivemos com ele uns minutos valentes. Tirei algumas fracas fotos de registo, mas filmes nada. Porque é que não carreguei no botão "REC"? Nota mental, conhecer bem a câmara que se leva nestas viagens.
E pronto. Os Big Five do Pantanal Norte estavam no papo, e com o último que faltava UBBB. Under the belt before breakfast. Mais um ponto alto da viagem. Menos um stress.

Papa-formigas-gigante ou Tamanduá-bandeira
(Myrmecophaga tridactyla)
Mas o que é uma viagem destas sem stress? Próximo objetivo, Harpia (Harpia harpyja).
O lodge da Serra das Araras era engraçado, mas ficava poucos quilómetros ao lado de uma pedreira. A parte final do percurso não era nada bonita. Uma ave dessas por aqui? Custava a acreditar. 

Mas, a verdade é que logo à chegada, por volta da hora de almoço, ficámos a saber que estava uma harpia - por lá diz-se gavião-real - no chão nuns terrenos perto. Deveria estar em dificuldades, porque não voava, mesmo com a aproximação das pessoas. 
Reparando que o fazendeiro, dono da pousada, parecia pouco interessado no destino do animal, o Ricardo entrou de imediato em acção. Convidou-me para ir com ele falar com o fazendeiro, que tentou sensibilizar para a importância de proteger o animal. Afinal, todos os birders que iam ao Lodge, iam lá para tentar ver o casal de Harpias da zona.
O fazendeiro e a esposa foram amáveis e ofereceram-nos logo um cafezinho, mas não me livrei de uma ou duas piadas de Portugueses. No Brasil é assim. Quem lá vai a partir da Ocidental Praia Lusitana tem de se habituar. 
A conclusão do encontro foi que se iria falar com a Capital - Cuiabá -  para enviar alguém para recolher a águia. Soube uns minutos mais tarde que ia ser enviado um biólogo. O problema é que 400Km não se fazem em cinco minutos, e muito menos naquelas estradas. Ou seja ainda iam passar umas horas bem medidas, com o bicho vulnerável, no chão. 
Aí, o Ricardo teve um ato invulgar, corajoso. Colocou-nos a questão da seguinte forma:
   -Frederico, a viagem é sua e eu estou à vossa disposição. Mas, por mim, durante a tarde devíamos ir proteger a harpia, até que chegue o biólogo. Se ela fica lá sozinha, as pessoas podem matar ou cutucar ela. Se me disser que não, não há problema. Eu faço o que vocês quiserem.


Harpia (Harpia harpyja)
Não hesitámos. Não é todos os dias que temos uma oportunidade de ajudar a salvar um animal selvagem mítico. Perdem-se umas aves, ganha-se uma história para a vida. Por outro lado, no Brasil há sempre aves em qualquer lado. Vê-se sempre qualquer coisa.
Estivemos toda a tarde de plantão, a uma vintena de metros dela. Coitada, estava de pé, muito parada, à sombra de uns arbustos. Parecia uma estátua. É complicado de ver a águia mais poderosa do mundo desta forma. 
O biólogo tardou, mas chegou. Já estava no quarto, depois do jantar quando me chamaram. Não vi a melhor parte, quando a harpia se virou de costas com as garras para cima, defesa de último recurso. Quando cheguei já ela estava com o cobertor enrolado à volta. Os braços dele mal chegavam para rodear o bicho. Pegou-lhe ao colo, sentou-se traseira de uma pickup e disse "Vamos rápido, que eu não consigo aguentar muito tempo!". Deixaram-na um pouco mais à frente, confinada numa cavalariça.

Na manhã seguinte, logo ao nascer do sol, já estávamos a acrescentar aves à lista. Passámos na área das cavalariças e qual não é o nosso espanto quando a Harpia estava cá fora, junto à estrada. Mal se mexia, mas a verdade é que tinha conseguido sair do confinamento. Bom sinal. 
Aproximamo-nos a apenas uns metros para tirar mais umas dezenas de fotos. Assim a curta distância, o que mais me impressionou foi a grossura das patas. Eram quase do tamanho do meu pulso. Também deu para reparar numa ferida na asa, provavelmente a causa do seus males. O biólogo, no dia anterior, tinha dito que ela teria sido provavelmente mordida por um macaco. 


Harpia (Harpia harpyja) - pormenor das patas e das garras
Saímos da serra das araras com a Harpia em recuperação e com o coração cheio de esperança. Oxalá o bicho se salvasse. 
Soubemos o epílogo mais tarde, através de dois posts do Ricardo no Facebook. 

25 de Outubro de 2011
Olá Frederico e Sandra!!!  Boas novas!!! Hoje a Harpia foi vista recontruindo o ninho na Serra das Araras, macho e femea!!! Vamos torcer!! Legal saber que fizemos parte de um momento importante nessa estória que esta por vir... Abraço

23 de Agosto de 2012
GAVIÃO REAL.( FILHOTÃO) HARPY EAGLE (Harpia harpyja) Essa foto tem um gostinho muito especial pra mim, em  Agosto de 2011 estávamos eu, Frederico Morais e Sandra Meneses cuidando da Mãe desse pequeno Gigante, depois de um acidente. Pois bem, ela se recuperou e deu continuidade à batalha da perpetuação dessa tão incrível espécie!! Parabéns a VIDA!!!


Foto Ricardo Casarin
Neste caso fomos mesmo "Eco Warriors - Guerreiros do Planeta" (quem vê o canal Odisseia sabe do que falo). Ajudámos, de forma direta, na conservação de uma espécie emblemática.
Mais uma história irrepetível, para recordar de vez em quando e ficar com um sorriso nos lábios. Ninguém me tira da cabeça que foi esta boa acção que foi premiada em 2015 com outra excelente observação de Harpia na Amazónia. O Karma não é para brincadeiras.


Depois do sucesso na Serra das Araras, última paragem do tour era na Chapada dos Guimarães e num novo ecossistema, o Cerrado.
Era aí que o Ricardo vivia na altura. Ele estava em casa e, por inerência, nós também. Conhecemos a filha, o pai, alguns amigos.
Um dos episódios mais hilariantes foi quando o Ricardo nos apresentou a um casal amigo. Ela pensou que fôssemos anglófonos, como a maioria dos clientes do Ricardo. Cumprimentou-nos em Inglês.
   -Hello. Nice to meet you. My name is…
Eu entrei na brincadeira e respondi, já meio a rir:
   -Hi. My name is Frederico.
Aí, o Ricardo disse qualquer coisa como:
   -Não vê que eles são portugueses? Pode falar Português.
A resposta foi espontânea, e ficará para sempre na minha memória:
   -Portugueses? Desculpe! Pensei que fossem estrangeiros.

A resposta resume aquele sentimento de conforto inexplicável que tenho sempre que vou ao Brasil (hoje, já a caminho do quarto tour). Uma pessoa atravessa o Atlântico, e é recebido em Português. Não é em inglês, nem em Espanhol, nem em Francês. Comecei a compreender aquilo que alguém escreveu um dia “A minha pátria é a língua portuguesa”.


Meia-lua-do-cerrado (Melanopareia torquata)
Das aves, recordo-me de algumas, especiais, que vimos na Chapada e arredores. O espetacular Campainha-azul (Porphyrospiza cearulescens), o Meia-lua-do-cerrado (Melanopareia torquata), o Soldadinho (Antilophia galeata), a Arara-vermelha-grande (Ara chloropterus), a Arara-canindé (Ara ararauna), o João-bobo (Nystalus chacurup). Por outro lado, ficou-me atravessada a péssima observação de Urubu-rei (Sarcoramphus papa), que vimos muito mal, tipo mosquito, à entrada da Chapada. Esse ainda não consegui ver melhor até hoje.
As viagens são assim e temos de estar preparados para isso. Nunca se vê tudo e nunca se vê tudo como queremos. Os números finais do tour ficaram em 244 espécies de aves e 13 de mamíferos. 

Arara-vermelha-grande (Ara chloropterus)
Foi com pena que regressámos a Cuiabá, já a pensar na viagem de regresso. O jantar do último dia foi num centro comercial. Rodízio de pizza. Lembro-me que estava a dar na tv um programa de crimes - "Cadeia Neles!". A empregada achou o nosso sotaque estranho. Não o conseguia identificar e olhava para nós desconfiada. O Ricardo, sempre na brincadeira, disse-lhe:
   -Sabe o que é? É que eles são de Pernambuco.
   -Ahhh! – disse ela.
Deve haver poucos portugueses em Cuiabá. Um ditado popular que ouvi na viagem foi algo do tipo “para Cuiabá nem os mortos querem ir!”.

No dia seguinte, de manhã, antes de seguir para o aeroporto, ainda me cruzei no pátio do hotel com um casal de americanos com binóculos ao peito. Como membro da tribo, meti conversa. Ao saberem que era português, disseram logo que isso era muito bom porque dessa forma não tinha a barreira linguística. Dá que pensar...

Pouco depois, iniciámos a longa viagem de regresso, sem história, que incluiu mais uma espera de muitas horas em São Paulo. 

Todas as viagens deixam marca, mas esta foi especial. O Pantanal é diferente.
Na altura, fiz o voto de um dia regressar. Oxalá seja possível.



Deixo aqui um grande abraço ao Ricardo Casarin. Não podíamos ter tido um guia melhor nesta primeira aventura na América do Sul. 
Obrigado também pela foto do filhote de Harpia, que ajuda a ilustrar a história.

#canaldoxofred 

14 setembro 2018

Flagra no Pantanal - Parte II - Onça-pintada

Brasil 2011 - Parte II - Jaguar

Após três dias e três noites de aperitivo, mais a manhã com o urutau, seguimos para o final da Transpantaneira, para Porto Jofre. É aí que reside o jaguar ou, como dizem por lá, a onça-pintada. No caminho, à medida que nos íamos aproximando, a tensão ia aumentando. Será que íamos atingir o objetivo? Seria possível?

Jaguar (Panthera onca)
 Durante o percurso lembro-me de ter visto uma Irara - Eira barbara, um mustelídeo - a correr na estrada e de o Ricardo dizer que estávamos com sorte, porque era um bicho que raramente se via assim, a descoberto, e muito menos em plena luz do dia.
Numa das paragens vimos fezes na berma, que foram prontamente identificadas por ele como sendo de onça. Comecei a reparar numa das expressões cómicas que usava, "Qui medo!". Pensando bem, tinha toda a razão, mas nem me lembrei disso. O Jaguar estava cada vez mais perto... 
Uns quilómetros mais à frente vi, muito ao longe, um felino adulto e uma cria a atravessar a estrada. A distância era tal que nem deu para perceber se seria jaguar - onça-pintada - ou puma - onça-parda. Disse qualquer coisa como "O que é aquilo?" ao Ricardo e ele gritou "Onça!" e acelerou a toda a velocidade. Quando lá chegámos e saímos do carro já não havia nada à vista. Felinos são assim mesmo. "Qui medo!" disse o Ricardo. 
Chegámos a Porto Jofre à hora de almoço. A primeira saída de barco só estava prevista para o dia seguinte de manhã mas, sentindo a minha ansiedade desde o primeiro dia, o Ricardo achou por bem antecipar a saída para essa tarde. Não estávamos à espera disso mas achámos boa ideia. Podia ser que o stress acabasse de uma vez. 
Ao chegar ao nosso bungalow, na porta estava uma foto de um Jaguar com a legenda Frederico e Sandra. E esta, hein?! Isto sim é serviço ao cliente. Antes do almoço, ainda deu para descobrir algumas Araras-azuis-grandes - Anodorhynchus hyacinthinus - que andavam nas imediações do hotel. Esta arara é gigante. Um metro de comprimento de um azul pouco comum.   

Arara-azul-grande - Anodorhynchus hyacinthinus
A seguir ao almoço fomos à procura do destino. A tensão sentia-se no ar. Nem as palavras do Ricardo - "Fique descansado que nunca saí daqui sem onça!" - ajudaram a acalmar os nervos. 
Os barcos do hotel são rápidos, mas mesmo assim ainda demoram uns quarenta e cinco minutos a chegar às melhores zonas para a onça. Normalmente há sempre mais alguns barcos a percorrer a área, que vão comunicando por rádio os avistamentos mas, nessa tarde, o único barco no rio era o nosso. Menos olhos, menos probabilidades. Por outro lado, a tranquilidade é maior.
Andámos um bom par de horas a percorrer a zona, sem grande sucesso. A técnica é ir olhando para a margem, e ver se estará lá alguma coisa a descansar à sombra, junto à água. O nosso piloto - diz-se "piloteiro" por lá -  tinha a teoria que é melhor andar rápido, porque assim os bichos têm menos tempo para se afastar com a aproximação do barco. O Ricardo não concordava muito com isso e ainda os vi a trocarem umas palavras sobre o assunto. Mais uma vez, teorias há muitas mas o que conta é "ver o bicho". E até ver o bicho todas as teorias são isso mesmo, teorias. 
De repente, depois de mais de mil curvas no rio, lá estava ela a descansar à sombra. A minha onça. Objetivo à vista! Lembro-me da adrenalina, do coração quase a saltar do peito e de pouco mais. As emoções fortes provocarão amnésia? Fundeámos o barco em frente ao animal e a pouco e pouco fui acreditando no que estava a ver. É realmente um felino espantoso. As cores suaves, os músculos fortíssimos. Cada mancha com as suas pintas no interior.  Inicialmente olhou a pensar se arrancava dali para fora, mas a moleza e o calor fizeram o seu trabalho. Foi simpática e deixou-se ficar.
Jaguar (Panthera onca)
Fartei-me de tirar fotos. Na altura tinha a minha primeira bridge há pouco tempo e ainda não a conhecia bem. Não sabia que, sobretudo nas fotos, estas câmeras têm algumas limitações. Mais ainda em condições de luz difíceis como aquelas. Nesses casos, mais vale filmar. Hoje já sei... 
Poucos filmes fiz nessa viagem mas, foram todos de jaguar. Não sei se seria porque esse animal era o grande objetivo, mas só me vinha o "filmar" à cabeça quando via um jaguar.
Fui fazendo um filme de vez em quando. Como é normal com os felinos, passou a maior parte do tempo a dormir. Levantava a cabeça, olhava, levantava-se, dava uns passos e dormia, sobretudo. E nós nas fotos e nos filmes. Minuto após minuto após minuto. No total passámos cerca de duas a sós com a "minha" onça. Que luxo!
No quarto de hora final resolveu ir fazer pela vida. Levantou-se e começou a caminhar na margem. Fomos avançando com ela no seu percurso. Levantávamos ferro e seguíamos na corrente. 
Bebeu água e ainda olhou para nós, provavelmente para decidir se estávamos ao alcance. Nadou um pouco junto à margem e, de repente, apareceram duas capivaras azaradas - mãe e a cria - só a uns dois ou três metros da onça. Elas e ela viram-se mutuamente pelo canto do olho e eu percebi logo que ia haver conversa. Na minha cabeça só pensava "Vai atacar! Vai atacar! Queres ver que vai mesmo atacar?". No barco reinava o silêncio. Predador e presa em acção. 
Não vou contar o desfecho. Uma imagem vale mais que mil palavras e está tudo no vídeo - "Flagra no Pantanal". 

 Flagra no Pantanal

Foi com ele que nasceu o "Canal do Xofred", cerca de um mês mais tarde. Hoje já vai com mais de três milhões e meio de visualizações. Um dos comentários que mais gostei ao longo dos anos foi de um amigo meu, poeta amador que, com a sensibilidade que o caracteriza, referiu que o vídeo chega até a ser comovente, na parte em que a mãe capivara tenta defender a cria. A Natureza é mesmo muito bonita.

Na altura, soube logo que estava provavelmente a ver uma cena irrepetível. Até hoje nunca vi uma coisa parecida. E acreditem que estou sempre à procura. 
No caminho de regresso ao hotel confesso, sem vergonha, que fui sempre de lágrimas nos olhos. Devia ser da adrenalina... 
Dia 7 de Agosto de 2011 cumpri um dos sonhos da minha vida. 

A verdade é que, nas outras quatro saídas de barco que tivemos, vimos sempre onça. Às vezes mais outras vezes menos tempo. Às vezes com mais gente outras vezes com menos. Numa das vezes contei as pessoas - 86! - e os barcos - 14!. Nessa ocasião, passou um barco com pescadores. Estavam no nosso hotel mas eram de outra tribo, a dos fazendeiros ricos com avião particular, que vão para Porto Jofre pescar. Ainda pararam para perguntar o que estávamos a ver. "Onça?" E arrancaram dali a toda a velocidade. Cada maluco tem a sua mania. 
No segundo dia vimos também uma família de lontras-gigantes (Pteronura brasiliensis) - no Brasil chamam-lhe ariranha. Têm "só" dois metros. Além de gigantes são divertidas. Dormiam num tronco, nadavam, comiam peixe. As vocalizações são inimitáveis e passam o tempo a "falar" umas com as outras. Foi um encher a barriga. 

Lontra-gigante (Pteronura brasiliensis)
Aí começou a saga dos "Big Five" do Pantanal Norte. Como insatisfeito que sou, depois do objetivo jaguar, saltei logo para outro, o das lontras gigantes. Assim que vi as ariranhas, passei a querer ver o Tamanduá-bandeira (Papa-formigas-gigante - Myrmecophaga tridactyla).

#canaldoxofred 

04 setembro 2018

Flagra no Pantanal - Parte I - Transpantaneira


Brasil 2011 - Parte I - Chegada à Transpantaneira

Confesso, envergonhado, que a primeira vez que ouvi falar no Pantanal foi só nos anos 90, quando a novela homónima passou em Portugal. Apesar de não seguir novelas há muito tempo, lembro-me de que o destino aparecia como uma imensidão semi-submersa, inexplorada, com muita vida selvagem.
Por outro lado, há muitos anos que tinha o sonho de ver um Jaguar - Panthera onca - mas sempre achei que era impossível. Como é que um amador poderia ver um animal esquivo e misterioso, o maior felino da América?
O facto de em 2009 ter visto o documentário “Jaguar Adventure with Nigel Marven”, em que a expedição andou vários dias à procura do felino no Pantanal, com vários batedores e barcos e em que só o viram quase à última hora só serviu para confirmar a ideia de ser praticamente impossível. Por outro lado, fiquei a saber que o Pantanal tinha jaguares. 
Em 2010, quando visitei a Birdfair em Rutland Waters, tinha ideia de questionar as empresas brasileiras que lá estivessem sobre o tema. E assim fiz.

A "minha" Onça-pintada (Panthera onca)
As respostas foram espantosas. Que sim, se fosse na data certa ao local certo havia excelentes possibilidades.
Dei o devido desconto mas, mesmo assim, fiquei com a ideia de fazer uma tentativa. Nessa altura, as viagens ao Brasil, sobretudo ao Nordeste, estavam na moda por cá e eu costumava dizer que devia ser o único português que ainda lá não tinha ido.
A novela, o documentário e a visita à Birdfair tinham feito o seu trabalho. O Pantanal ficou definitivamente no radar.

Tudo se concretizou em Agosto de 2011.
Iríamos ao Pantanal, fazendo toda a Transpantaneira de Poconé a Porto Jofre. A Transpantaneira é uma estrada mítica, de terra batida, com 150km e 120 pontes, que fica alagada uma parte do ano. O Pantanal tem esse nome por alguma razão. A viagem tinha também alguns dias em habitat de cerrado, na Chapada dos Guimarães e, nessa altura, quem fazia esse tour costumava também fazer uma visita de uma noite à Serra das Araras, para tentar ver a Harpia, a águia mais poderosa do mundo. 
Mas, sejamos claros, isto das aves é tudo muito bonito, mas o objetivo da expedição era um: VER UM JAGUAR. Sonhei muitas vezes com isso nos meses precedentes.

O início da Transpantaneira
Depois da viagem cansativa, que incluiu uma espera prolongada em São Paulo, a noite já ia avançada quando chegámos a Cuiabá, capital do Mato Grosso.
O Ricardo Casarin estava pacientemente à nossa espera. Segundo me recordo, apercebeu-se de quem éramos pelas roupas outdoor que tínhamos vestidas. Não me lembro de ver nenhum cartaz.
Saímos a porta e ouvimos quase de imediato:
- Frederico?”.
Uff! Pensei. Estávamos no destino e além das malas, tínhamos também o guia. Já não faltava tudo.

No dia seguinte, depois do pequeno-almoço, seguimos para Poconé. É à saída dessa vila  que está o célebre portal que marca o início da Transpantaneira. É difícil de descrever a sensação que temos ao ver algo que já vimos muitas vezes na tv. Parecia que estava num documentário, só que este era o meu. Tirámos a foto da praxe, demos uma volta de poucos minutos e seguimos. Dessa volta recordo-me de ver, entre outras aves, um Pavãozinho-do-Pará (Europyga helias), o tal que tem um sol nas asas. 

As capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris) são omnipresentes
 O destino dos primeiros dias era um hotel mais ou menos a meio da Transpantaneira. Fomos fazendo algumas paragens no caminho e, logo desde o início, fiquei espantado com a quantidade de aves, caimões, capivaras e sei lá mais o quê que víamos por todo o lado. Além dos ubíquos Tuiuiús - Jabiru mycteria - símbolo do Pantanal, numa das paragens iniciais vimos logo Colhereiros (Ajaia ajaja), que por lá são cor-de-rosa, Talha-mar (Rynchops Niger), Martim-pescador-matraca (Megaceryle torquata). A lista ia aumentando e o nosso entusiasmo também. Neste habitat os bichos estão bastante expostos.  
Logo nas primeiras horas de convívio fui-me apercebendo de que o Ricardo tinha um entusiasmo contagiante a procurar e mostrar o que via. Tinha a mesma vontade de nos mostrar, que nós de ver os bichos. Ou seja, para um observador obsessivo como eu, foi o companheiro ideal de viagem.

Tuiuiú (Jabiru mycteria)
Os dias passados nesse hotel, a meio do percurso, funcionaram como um aperitivo para o resto da aventura. Como pontos altos recordo-me dos passeios de barco e de ver os cinco martins-pescadores presentes da América-do-Sul. 
Mas também me lembro de um episódio que me assombra ainda hoje. O falhanço da Garça-da-mata (Agamia agami). Essa garça é, para mim, a mais bonita da família. O azar é que também é das mais escassas e difíceis de ver, ou não fosse "da mata". Numa das viagens de barco o Ricardo viu uma uns metros dentro da margem, na sombra, e avisou "garça-beija-flor!", que é outro dos seus nomes comuns. Eu só ouvi "beija-flor" e fiquei à procura de um colibri junto ao barco. Quando perguntei "Qual beija-flor?" ele apercebeu-se que eu não estava a olhar para onde devia e disse "Frederico, caga no beija-flor, está ali a a garça!". Quando olhei, já ela se tinha escondido. Ainda hoje, sete anos depois, não a consegui colocar na lista e fico com com uma lágrima no olho. 
Na última noite nesse hotel veio à conversa o quando eu tinha gostado de ver o Urutau-grande - Nyctibius grandis - no documentário do Nigel. Fiquei espantado quando o Ricardo disse:
    -Pois nesse caso não lhe vou mostrar “um bicho”. Vou-lhe mostrar “o bicho”.
Ou seja, ele sabia onde estava a ave que tinha aparecido na tv. Na manhã seguinte “o bicho” estava lá à nossa espera, no poiso do costume, exatamente no mesmo ramo que tinha aparecido no National Geographic. É daquelas aves que quase vale uma viagem.

#canaldoxofred 

Urutau-grande - Nyctibius grandis