Pesquisar neste blogue

07 maio 2018

Pardilheira, ou a Influência do George Costanza

01/05/2018
Pardilheira, ou a Influência do George Costanza 

Sempre achei a Pardilheira (Marmaronetta Angustirostris) um dos patos mais bonitos da Fauna Europeia. Talvez por me identificar com as "olheiras" bem escuras das faces - o rosto angustiado. 


Pardilheira (Marmaronetta angustirostris)
Desde 2011 que o tentava encontrar sem sucesso. Tudo começou com o exemplar descoberto pelo Rui Caratão nas salinas de Alverca, onde me desloquei na altura por duas vezes. Nos últimos anos, sobretudo no EVOA, apareceram alguns exemplares na Primavera. Como infelizmente só há uma Primavera por ano, aconteceu que em duas das vezes estava no estrangeiro em explorações da passarada. Quando fazia a tentativa, já não havia pardilheira para ninguém. Por outro lado, mesmo não estando fora, como por exemplo em 2016, ia ao EVOA e nesse dia elas não apareciam. Eram vistas nos dias anteriores e posteriores. Ao fim da sexta tentativa comecei a achar que tinha claramente ali um novo enguiço. Uma nova Némesis. 
Como tenho a teoria de que a primeira é sempre a mais difícil, aproveitei a minha viagem em 2017 à Andaluzia para ver Lince-ibérico e fui vê-las a Doñana. Mais uma lifer! Já só faltava vê-las em Portugal. Oxalá ficasse mais fácil. 


Pardilheiras - EVOA - O filme possível

Chegámos a 2018. Apontei para Maio para intensificar a busca. Como os bichos fazem sempre o que querem, resolveram aparecer dois exemplares no dia 20 de Abril, uma sexta-feira. Foi um dos guias do EVOA, o Jaime Sousa que divulgou a informação por volta das 16h. 
A conclusão a que cheguei foi de que iria lá no dia seguinte, sábado. Como membro, até solicitei o acesso antes das portas abrirem. Às 8h30 já estava no abrigo. Fosse da chuva - leia-se dilúvio - ou doutra coisa qualquer, pardilheiras não houve. 
Mais uma desgraça. A moral desceu em flecha. "Costumam estar vários dias. Desta vez, que pude vir no dia seguinte, nada! É sempre a mesma coisa!". A maldição continuava... 
No fim de semana seguinte fui dar uma volta à ponta da Erva e parei no EVOA para picar o ponto, leia-se tomar um café, e saber novidades. Não havia grandes notícias. Depois de um ou dois minutos de indecisão, resolvi não entrar dessa vez. 
Contudo, fui formando na minha cabeça a ideia de lá voltar no feriado de terça-feira. Apesar de ser feriado, era durante a semana. Podia ser que lá estivesse menos gente. Não se perdia nada, e a Natureza é muito bonita. Chama-se a este tipo de diligência "atirar o barro à parede".
Contudo, alguma coisa teria de fazer de diferente em relação ao habitual. Se as escolhas que tinha feito até ali não resultaram, teria de pensar noutras. Foi aí que me comecei a recordar de um dos episódios do Seinfeld, em que o meu personagem favorito, o George Costanza, por achar que as escolhas racionais de vida que tinha feito até ali nunca tinham resultado, resolve passar a fazer exactamente o oposto do que pensasse como certo em determinada circunstância. 
Assim, no dia 1 de Maio, resolvi fazer exactamente o contrário do que costumava  fazer para ver (ou tentar ver) raridades no EVOA.


Costumava ir de manhã? Pois desta vez iria à tarde. 
Entrei e lá estava a Andreia, tal como no dia 21. Como tinha falhado nesse dia, a pergunta óbvia surgiu de imediato :
  -Vem tentar ver as pardilheiras?
  -Vou mesmo!
Deixei a Sandra - minha arma secreta - no café e segui para o observatório da Lagoa Principal a 3km. Fui sempre atento, não fossem passar uns patos esquisitos a voar. Não. Só uns poucos patos-reais e um milhafre-preto.
Quando estava a entrar no observatório, recebi uma chamada de um amigo de longa data, com quem já não falava há uns tempos. Em vez de dizer que lhe ligava mais tarde, para me poder concentrar na missão, fiz exatamente o contrário. Estivemos a falar mais de dez minutos. E nem baixei muito a voz. Estava mesmo a aplicar a máxima do George Costanza. Costumava montar o telescópio e só depois abrir o postigo? Pois desta vez abri logo o postigo sem montar o telescópio. Eram mais ou menos 16h30. Espreitei com os binóculos. Aquilo estava para o vazio, como sempre nesta altura. Olhei para o local tradicional das pardilheiras e estavam lá dois patos a dormir. Só conseguia ver os peitos e, à primeira vista, pareciam reais, ou frisadas. A distância não ajudava. "Mais uma banhada!", pensei. "Bom, vamos lá montar o telescópio". Montei e espreitei. Vejo imediatamente o marmoreado nos flancos. Olhei várias vezes e continuei a ver o mesmo. Eram mesmo elas, as minhas Némesis do momento.
Tirei logo umas fotos. Mesmo fracas, já serviam de evidência. Mais um pouco e lá acordaram. Sim! Já se viam as olheiras extensas. Liguei à Sandra a fazer o relato.
Filmei, fotografei e fotografei e filmei. De um a cinco, quatro e meio. Só não foi mais porque estavam longe. "Há sempre um crítico". É curioso que estive sempre calmo e nunca desatei aos saltos. As vitórias têm mais piada quando se está acompanhado.


Resolveram voar em frente ao observatório e pousar num local fora de vista. Iriam voltar? 
Ainda lá fiquei um bocado, à espera. Passou um circus, que me pareceu uma águia-caçadeira. Apesar das limitações que têm as bridge, ainda lhe consegui tirar umas fotos em voo. Uns dias mais tarde, após estudo e algumas consultas, veio afinal a ser identificado como um tartaranhão-pálido, outra raridade (por enquanto). 
Chegou o grupo da visita da tarde. "Digo alguma coisa ou não?". Resolvi não dizer. Não estando os bichos à vista, também não gostaria que me dissessem algo como:
 -Estiveram aí as pardilheiras mas agora voaram e não estão à vista. 
Sei bem que é duro ouvir conversas desse tipo. 
Enfim, controlei-me e, além de não dizer nada, ajudei a guia a apontar uma ave ou outra. Claro, sempre com um olho no burro e outro no cigano, para ver se Elas voltavam a aparecer. 

Tartaranhão-pálido fêmea (Circus Macrourus)
Alguns minutos mais tarde lá aparecem outra vez a voar e aponto-as ao grupo. "Olha as pardilheiras!". Pousam no sítio do costume. "Não acredito!" diz a guia. Estava extasiada a olhar para os bichos. Para ela era uma lifer, e não descansou enquando não tirou uma ou duas fotos em digiscoping. "Para não dizerem que estou a inventar!". 
Partilhei o meu telescópio com quem quis ver, mas claramente os mais eufóricos eram eu e a guia que, vim a saber, se chama Sofia. Nisto da observação há vários níveis de desenvolvimento e envolvimento. No ínicio eu também ficava todo contente por ver um flamingo ou um camão. No primeiro ou segundo ano de observador vi o meu primeiro - e único até hoje - andorinhão-cafre, com o Simon Wates. Na altura ainda me faltava ver quase tudo. Vendo que eu e a Sandra não estávamos aos saltos, saiu-se com um "Acho que ainda não estavas preparado para ver isto!". E tinha razão. Um cafre vale bem mais que um papa-figos. As lifers não são todas iguais.
Mais uns minutos e o grupo foi andando. Eu ainda fiquei mais um pouco para mais uns filmes e umas fotos e um último olhar no telescópio. Quem espera oito anos tem direito a mais uns minutos. 
Cheguei ao edifício em triunfo. Já "toda" a gente - duas ou três pessoas - sabia. Não há mal que sempre dure! "Algum dia tinha de ser!", disse. A "Maldição do EVOA", como eu lhe chamava, tinha finalmente acabado, e logo com duas raridades duma vez. 
Confesso que o sentimento predominante que tive foi alívio. Mais do que alegria, alívio, com mais uma Némesis que desaparece. 

Obrigado George Costanza. 

 George Costanza does the Opposite

#canaldoxofred 

Sem comentários:

Enviar um comentário