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14 setembro 2018

Flagra no Pantanal - Parte II - Onça-pintada

Brasil 2011 - Parte II - Jaguar

Após três dias e três noites de aperitivo, mais a manhã com o urutau, seguimos para o final da Transpantaneira, para Porto Jofre. É aí que reside o jaguar ou, como dizem por lá, a onça-pintada. No caminho, à medida que nos íamos aproximando, a tensão ia aumentando. Será que íamos atingir o objetivo? Seria possível?

Jaguar (Panthera onca)
 Durante o percurso lembro-me de ter visto uma Irara - Eira barbara, um mustelídeo - a correr na estrada e de o Ricardo dizer que estávamos com sorte, porque era um bicho que raramente se via assim, a descoberto, e muito menos em plena luz do dia.
Numa das paragens vimos fezes na berma, que foram prontamente identificadas por ele como sendo de onça. Comecei a reparar numa das expressões cómicas que usava, "Qui medo!". Pensando bem, tinha toda a razão, mas nem me lembrei disso. O Jaguar estava cada vez mais perto... 
Uns quilómetros mais à frente vi, muito ao longe, um felino adulto e uma cria a atravessar a estrada. A distância era tal que nem deu para perceber se seria jaguar - onça-pintada - ou puma - onça-parda. Disse qualquer coisa como "O que é aquilo?" ao Ricardo e ele gritou "Onça!" e acelerou a toda a velocidade. Quando lá chegámos e saímos do carro já não havia nada à vista. Felinos são assim mesmo. "Qui medo!" disse o Ricardo. 
Chegámos a Porto Jofre à hora de almoço. A primeira saída de barco só estava prevista para o dia seguinte de manhã mas, sentindo a minha ansiedade desde o primeiro dia, o Ricardo achou por bem antecipar a saída para essa tarde. Não estávamos à espera disso mas achámos boa ideia. Podia ser que o stress acabasse de uma vez. 
Ao chegar ao nosso bungalow, na porta estava uma foto de um Jaguar com a legenda Frederico e Sandra. E esta, hein?! Isto sim é serviço ao cliente. Antes do almoço, ainda deu para descobrir algumas Araras-azuis-grandes - Anodorhynchus hyacinthinus - que andavam nas imediações do hotel. Esta arara é gigante. Um metro de comprimento de um azul pouco comum.   

Arara-azul-grande - Anodorhynchus hyacinthinus
A seguir ao almoço fomos à procura do destino. A tensão sentia-se no ar. Nem as palavras do Ricardo - "Fique descansado que nunca saí daqui sem onça!" - ajudaram a acalmar os nervos. 
Os barcos do hotel são rápidos, mas mesmo assim ainda demoram uns quarenta e cinco minutos a chegar às melhores zonas para a onça. Normalmente há sempre mais alguns barcos a percorrer a área, que vão comunicando por rádio os avistamentos mas, nessa tarde, o único barco no rio era o nosso. Menos olhos, menos probabilidades. Por outro lado, a tranquilidade é maior.
Andámos um bom par de horas a percorrer a zona, sem grande sucesso. A técnica é ir olhando para a margem, e ver se estará lá alguma coisa a descansar à sombra, junto à água. O nosso piloto - diz-se "piloteiro" por lá -  tinha a teoria que é melhor andar rápido, porque assim os bichos têm menos tempo para se afastar com a aproximação do barco. O Ricardo não concordava muito com isso e ainda os vi a trocarem umas palavras sobre o assunto. Mais uma vez, teorias há muitas mas o que conta é "ver o bicho". E até ver o bicho todas as teorias são isso mesmo, teorias. 
De repente, depois de mais de mil curvas no rio, lá estava ela a descansar à sombra. A minha onça. Objetivo à vista! Lembro-me da adrenalina, do coração quase a saltar do peito e de pouco mais. As emoções fortes provocarão amnésia? Fundeámos o barco em frente ao animal e a pouco e pouco fui acreditando no que estava a ver. É realmente um felino espantoso. As cores suaves, os músculos fortíssimos. Cada mancha com as suas pintas no interior.  Inicialmente olhou a pensar se arrancava dali para fora, mas a moleza e o calor fizeram o seu trabalho. Foi simpática e deixou-se ficar.
Jaguar (Panthera onca)
Fartei-me de tirar fotos. Na altura tinha a minha primeira bridge há pouco tempo e ainda não a conhecia bem. Não sabia que, sobretudo nas fotos, estas câmeras têm algumas limitações. Mais ainda em condições de luz difíceis como aquelas. Nesses casos, mais vale filmar. Hoje já sei... 
Poucos filmes fiz nessa viagem mas, foram todos de jaguar. Não sei se seria porque esse animal era o grande objetivo, mas só me vinha o "filmar" à cabeça quando via um jaguar.
Fui fazendo um filme de vez em quando. Como é normal com os felinos, passou a maior parte do tempo a dormir. Levantava a cabeça, olhava, levantava-se, dava uns passos e dormia, sobretudo. E nós nas fotos e nos filmes. Minuto após minuto após minuto. No total passámos cerca de duas a sós com a "minha" onça. Que luxo!
No quarto de hora final resolveu ir fazer pela vida. Levantou-se e começou a caminhar na margem. Fomos avançando com ela no seu percurso. Levantávamos ferro e seguíamos na corrente. 
Bebeu água e ainda olhou para nós, provavelmente para decidir se estávamos ao alcance. Nadou um pouco junto à margem e, de repente, apareceram duas capivaras azaradas - mãe e a cria - só a uns dois ou três metros da onça. Elas e ela viram-se mutuamente pelo canto do olho e eu percebi logo que ia haver conversa. Na minha cabeça só pensava "Vai atacar! Vai atacar! Queres ver que vai mesmo atacar?". No barco reinava o silêncio. Predador e presa em acção. 
Não vou contar o desfecho. Uma imagem vale mais que mil palavras e está tudo no vídeo - "Flagra no Pantanal". 

 Flagra no Pantanal

Foi com ele que nasceu o "Canal do Xofred", cerca de um mês mais tarde. Hoje já vai com mais de três milhões e meio de visualizações. Um dos comentários que mais gostei ao longo dos anos foi de um amigo meu, poeta amador que, com a sensibilidade que o caracteriza, referiu que o vídeo chega até a ser comovente, na parte em que a mãe capivara tenta defender a cria. A Natureza é mesmo muito bonita.

Na altura, soube logo que estava provavelmente a ver uma cena irrepetível. Até hoje nunca vi uma coisa parecida. E acreditem que estou sempre à procura. 
No caminho de regresso ao hotel confesso, sem vergonha, que fui sempre de lágrimas nos olhos. Devia ser da adrenalina... 
Dia 7 de Agosto de 2011 cumpri um dos sonhos da minha vida. 

A verdade é que, nas outras quatro saídas de barco que tivemos, vimos sempre onça. Às vezes mais outras vezes menos tempo. Às vezes com mais gente outras vezes com menos. Numa das vezes contei as pessoas - 86! - e os barcos - 14!. Nessa ocasião, passou um barco com pescadores. Estavam no nosso hotel mas eram de outra tribo, a dos fazendeiros ricos com avião particular, que vão para Porto Jofre pescar. Ainda pararam para perguntar o que estávamos a ver. "Onça?" E arrancaram dali a toda a velocidade. Cada maluco tem a sua mania. 
No segundo dia vimos também uma família de lontras-gigantes (Pteronura brasiliensis) - no Brasil chamam-lhe ariranha. Têm "só" dois metros. Além de gigantes são divertidas. Dormiam num tronco, nadavam, comiam peixe. As vocalizações são inimitáveis e passam o tempo a "falar" umas com as outras. Foi um encher a barriga. 

Lontra-gigante (Pteronura brasiliensis)
Aí começou a saga dos "Big Five" do Pantanal Norte. Como insatisfeito que sou, depois do objetivo jaguar, saltei logo para outro, o das lontras gigantes. Assim que vi as ariranhas, passei a querer ver o Tamanduá-bandeira (Papa-formigas-gigante - Myrmecophaga tridactyla).

#canaldoxofred 

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