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20 julho 2019

Madeira 2019 - Parte IV - O Moleiro-coiso

30/05/2019 - O Moleiro-coiso

Quinta-feira, dia da terceira e última pelágica.
Acordei outra vez em estado razoável. 
Pequeno-almoço tomado, seguimos para o Faial, à procura do pombo. Numa primeira paragem exploratória, ainda na estrada cá em cima, o Luís apontou quase de imediato um pombo que viu na escarpa. Finalmente, à terceira tentativa, foi de vez. “Pombo!!!” - gritou, como se tivesse descoberto ouro. Seria quase inaudito ir à Madeira tanto tempo e não ver o pombo lá do sítio.
Mais umas voltas e regressámos rapidamente a Machico. A terceira pelágica esperava por nós.

Moleiro-coiso (ver Parte V para ID)
Pontualmente, uma hora antes da hora coca-cola saímos do porto. 
Rumo SE, a cerca de 18mn. Ondas de norte de 1,7 metros e vento Norte de 17 nós. 
Objetivo:  Whatever.
A viagem de ida fez-se num instante. Deve ser por o tempo ser relativo ou, então, era por já estarmos habituados. No ponto de engodagem tínhamos as desertas ao lado. A Natureza é muito bonita…

Pombo!!!
Pombo-da-Madeira (Columba trocaz)
Logo nos primeiros minutos, a surpresa da expedição. Apesar dos relatórios mostrarem claramente que o final de maio não é uma boa altura para moleiros na Madeira, ali estava ele, um moleiro-coiso. Moleiro-grande não era e vi logo, pelo porte, que também não era um pomarino. Restavam duas hipóteses: parasítico ou rabilongo. Não sendo um adulto, era um exercício complicado. Fiquei na dúvida. Não vejo moleiros todos os dias, muito menos destes. Realmente, era de pequena dimensão, com apenas as duas primárias exteriores com shafts brancos. Sem consultar a literatura e apenas pela lei das probabilidades, inclinei-me mais para a opção moleiro-pequeno (parasítico). A realidade é que não sabia.


Moleiro-coiso (ver Parte V para ID)
Foto Luís Rodrigues
As poucas opiniões existentes estavam divididas. O Hugo estava inclinado para rabilongo, apesar de não ser uma plumagem vista habitualmente por ali. O James - team UK - fez uma meio pergunta, meio afirmação - “Hum... Arctic skua?” (parasítico). Por outro lado, os Suíços foram afirmativos “Long-tailed Skua!” (rabilongo). Com rede móvel disponível e dois informáticos na equipa Tuga, rapidamente tirámos uma foto a uma foto do “coiso” no ecrã da máquina do Luís e a enviámos para o backoffice do Continente - leia-se os nossos amigos da passarada - para análise. 
Rabilongo é, de longe, o mais difícil dos moleiros que se vêm regularmente por cá. Seria lifer para os meus companheiros. Para mim era praticamente igual, mas confesso que entre os dois também preferia esse, que só vira duas vezes, a última das quais há mais de cinco anos. O Luís e o Alexandre já estavam a salivar. Para desgosto destes, rapidamente recebemos por via aérea quatro respostas de peso a dizer que era um parasítico. 
Caso encerrado? Em princípio sim mas, como teimoso que sou, gosto de formar a minha própria opinião. À noite iria ver a pouca literatura que tinha disponível. Os Suíços também não compraram a ideia parasítica.


Casquilho (Oceanites oceanicus)
Foto Luís Rodrigues
O bicho é que não se importou com estas divagações. Deu um show e encheu os cartões e os binóculos. Às vezes estava tão perto que enchia o ecrã e saia do enquadramento. Espetacular! E também não teve muita pressa de se ir embora.

No resto do tempo que lá estivemos, as gaivotas monopolizaram o chum e afastaram quase toda a concorrência. Mesmo assim, além das cagarras e almas-negras, ainda foi aparecendo qualquer coisa. Um pintainho - leia-se um mosquito branco a dois quilómetros e também um casquilho, para gáudio dos Suíços. No dia anterior tinham-me dito que ainda não estavam satisfeitos porque lhes faltava o dito. A minha resposta “Vão em Setembro a Sagres, que vêem de certeza” não os desmobilizou. Cada um tem os seus dramas...

Alma-negra (Bulweria bulwerii)

O regresso é que foi pior. Preparei-me como no dia anterior. Veste o polar, fecha o impermeável, mete o boné para não ir água para a cara, mete os óculos escuros para não ir água para os olhos. Afinal, mesmo de noite, os óculos escuros são úteis.
“Get ready for a wet and very bumpy trip!”, disse a Catarina. 

Chegada às Desertas.
O regresso é que foi bem mais complicado...
E assim foi. Vento de frente, e ondas bem de lado. Entravam quase todas no barco e, em quase todas, o barco saltava por momentos e batia. Onda, salto, molha, bate, salto, onda, molha. “Ui, esta vai doer!”, pensei. Ainda usei o joelho esquerdo nos primeiros minutos mas, percebi rapidamente que era melhor resguardá-lo. Fiz a viagem quase toda só com o apoio do direito. Ao fim da primeira meia hora comecei a sentir que estava molhado. A roupa ajudou até onde pôde, mas não fez milagres. “Oxalá o saco impermeável faça o seu trabalho”, pensei. Lembro-me de olhar para o lado uma série de vezes e continuar sempre a ver as Desertas. “Ainda estamos aqui? Não andámos nada”. 
Em duas ou três ocasiões, a água conseguiu passar os óculos e fiquei com os olhos a arder, fechados, por uns minutos. Aí tinha de sentir que o barco ia saltar, para poder ter o corpo preparado. Só ao fim de mais de uma hora é que achei que os saltos estavam, finalmente, a diminuir de amplitude e de frequência. 
Seja como for, ao fim uma viagem infernal, lá conseguimos ver as luzes de Machico. Só entrar no porto fez logo com que começássemos a aquecer. Realmente, "There's no place like home". Não sei por que me veio à cabeça esta frase. Não tínhamos visto nenhum tijolo amarelo, e muito menos um homem de lata.

Gaivota-de-patas-amarelas (Larus michahelis)
Foto Luís Rodrigues

Que enxerto de porrada! Estava todo partido e arrastei-me até ao hotel. A roupa estava completamente encharcada. Vá lá, que o interior do saco impermeável estava completamente seco. Bendito investimento!

Depois de jantar, já no quarto, tentei não adormecer de imediato e ainda consegui dar uma vista de olhos no pequeno livro do Andy Paterson - “Pelagic Birds of the North Atlantic” - o único guia que levei. Realmente, a nossa ave tinha mais parecenças com os rabilongos imaturos do guia do que com os parasíticos. Havia também a primeira frase referida para a identificação: “Always looks grey-brown rather than warm brown”. Ora, a nossa ave era claramente cinzento-acastanhada. As minhas fotos mostravam o mesmo que as do Luís. Não era uma questão de regulação da máquina. 

Fui dormir a pensar no assunto que, claramente, não estava fechado...

#canaldoxofred

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